Os apagões de energia elétrica, que haviam deixado a rotina da população brasileira havia mais de duas décadas, voltaram com força a partir do fim do ano passado. Na crise de fornecimento de energia do início dos anos 2000, os motivos que levaram ao racionamento foram a falta de planejamento federal, a dependência excessiva de hidrelétricas em período de seca e a ausência de linhas de transmissão para conectar o sistema. Agora, os blecautes que se prolongam por dias são causados pelo despreparo das distribuidoras em lidar com os eventos extremos das mudanças climáticas.
O problema, que se repete com incômoda frequência em diferentes cidades, assumiu tamanha relevância que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regula o setor, passou a exigir de concessionárias o aperfeiçoamento das ferramentas de detecção de eventos climáticos extremos. E isso inclui, além de instrumentos próprios, trabalho conjunto com as Secretarias de Defesa Civil estaduais e municipais e com institutos de meteorologia, como mostrou recente reportagem do Estadão.
É um começo, mas a situação atual requer um conjunto muito maior de providências que o processo de renovação das concessões de distribuição, atualmente em curso, pode ajudar a desenvolver. Em discussão desde 2022, a renovação envolve 20 contratos que vencem a partir de 2025 e representam 60% do mercado de distribuição de energia elétrica no País. O governo tenta negociar novo regramento e antecipar as renovações.
É importante que as novas regras sejam dirigidas, em primeiro lugar, ao atendimento da forma mais eficiente possível ao consumidor de energia – o maior mantenedor desse mercado e o principal prejudicado a cada interrupção no fornecimento. Há prejuízos que assumem proporções gigantescas, como o do temporal de novembro do ano passado na cidade de São Paulo, que deixou 2,1 milhões de endereços sem luz, alguns por quase uma semana.
Estudos do Grupo do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostram que, diante do fenômeno global da crise climática, é fundamental avaliar se os parâmetros que condicionam a operação e manutenção da qualidade do fornecimento de energia estão de acordo com o novo paradigma ambiental. Os especialistas citam países europeus, como Portugal, Espanha e Itália, que estão recorrendo a inovações regulatórias para diferenciar a análise do desempenho e a qualidade do serviço. Por lá, os maiores problemas estão sendo constatados em serviços de transmissão de energia e, em alguns casos, a solução é elaborada em conjunto por diversos reguladores europeus.
A invocação do conceito jurídico de “força maior” no setor elétrico não é mais aplicável de forma generalizada. Há critérios para diferenciar situações de externalidade que estejam dentro de condições razoavelmente normais de outros de impacto extremo. Trata-se de uma régua que ajuda a medir com maior precisão, por exemplo, a necessidade de aplicação de multas e seus valores em caso de deficiências na prestação de serviços.
O conflito de atribuições entre distribuidoras e prefeituras é outro fator que precisa ter uma definição mais bem encaminhada, como mostrou a mencionada reportagem. Com predominância absoluta de rede aérea de distribuição, os danos das quedas de árvores durante vendavais poderiam ser mitigados com uma boa zeladoria urbana e poda de árvores mais eficiente.
Uma definição clara de atribuições, fiscalização preventiva mais firme e cobrança de responsabilidades são o caminho para evitar consequências tão drásticas a cada chuva mais forte. A infraestrutura urbana, de modo geral, não tem acompanhado a nova realidade ambiental, que muda de forma assustadoramente rápida.
Cabe ao governo federal estabelecer novas normas e novos critérios técnicos de aferição – de velocidade dos ventos, índice pluviométrico, grau da temperatura, entre outros – para garantir aos consumidores a manutenção do sistema, ou seu rápido restabelecimento. Além, por óbvio, de exigir das operadoras o aprimoramento do sistema e sua adaptação à nova realidade.