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Os banheiros de Lula

Petista se indigna com o déficit de banheiros no País e manda construí-los, como se isso bastasse

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Por Notas & Informações
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Em evento recente, o presidente Lula da Silva, manifestando indignação com a informação de que milhões de brasileiros não têm banheiros em suas casas, informou ter mandado o Ministério das Cidades elaborar um programa para resolver o problema. Lula disse ter tomado conhecimento do déficit de banheiros pela TV – o que é espantoso, não só porque essa informação está disponível há tempos em diversos estudos na área de saneamento, mas também porque o presidente dispõe de quase quatro dezenas de ministros, e é incrível que nenhum desses assessores tenha chamado sua atenção para esse terrível drama dos brasileiros.

Tudo, claro, não passou do conhecido jogo de cena de Lula. Pressionado pelo imperativo de ter que conter as crescentes despesas do governo, o petista quis mais uma vez mostrar-se sensível às demandas dos brasileiros mais pobres, que só não são plenamente atendidas por ele porque tecnocratas desalmados da área econômica só falam em cortar gastos. A propósito, na mesma ocasião, Lula ainda deu um pito no Ministério da Fazenda: “Não venha dizer que isso é gasto. É decência, é respeito”.

É evidente que mandar construir banheiros para quem não tem é uma medida humanitária, mas não resolve o problema de fundo: a crônica falta de saneamento básico, fruto de décadas de incompetência das estatais do setor, incapazes de cumprir as metas de universalização dos serviços. E é justamente o PT de Lula quem costuma se insurgir contra a privatização dessas empresas, essencial para que finalmente chegue água limpa e esgoto tratado para quem ainda não tem, fazendo com que esse vergonhoso atraso nacional finalmente acabe.

De acordo com o Instituto Trata Brasil, mais de 90 milhões de brasileiros (quase 45% da população) não têm acesso à coleta de esgoto. Se o presidente quiser ler o estudo, está disponível no site do Instituto, que é responsável também pela pesquisa cujos números o indignaram – segundo aquele levantamento, 1,332 milhão de moradias (1,8% do total de residências no País) não têm banheiro exclusivo.

A questão, portanto, é muito simples: se quase metade da população não tem saneamento, a construção de banheiros sem interligação com a rede de esgoto é inócua.

Daí a importância do Marco do Saneamento, aprovado tardiamente em 2020, a despeito da oposição petista, e que estabeleceu que 90% dos brasileiros devem ter acesso à coleta de esgoto até 2033. Já há avanços na área, mas no ritmo atual o volume de investimentos precisaria dobrar anualmente para que as metas sejam cumpridas no prazo estabelecido.

Há ainda a questão dos investimentos que os moradores precisam fazer para que suas casas estejam efetivamente conectadas a redes de esgoto, o que, aí sim, exige política pública direcionada em apoio aos mais pobres, que não conseguem bancar tal conta sozinhos.

Portanto, apenas construir banheiros não basta, especialmente quando o primeiro passo, que é a universalização do saneamento, segue sendo apenas uma promessa para milhões de brasileiros.