A Polícia Federal (PF) tem se desdobrado em inquéritos que apuram a malversação de recursos públicos por meio de emendas parlamentares obscuras. Soube-se agora que até um agiota estaria associado a um deputado federal, João Maranhãozinho (PL-MA), no comércio, pasme o leitor, de indicações de emendas ao Orçamento da União.
Em que pese a faina do Supremo Tribunal Federal (STF) para fazer valer a Constituição e acabar com essa indecência, o orçamento secreto, hoje, segue tão vivo como sempre esteve desde que foi engendrado por um punhado de lideranças do Congresso e o então presidente Jair Bolsonaro. E, desde que este jornal revelou esse espantoso esquema, em maio de 2021, sabia-se que a desvirtuação das emendas parlamentares se prestava a três finalidades, basicamente.
A primeira é o enriquecimento ilícito, puro e simples, de parlamentares, prefeitos e cupinchas Brasil afora por meio da apropriação criminosa de recursos do Orçamento da União que, em tese, deveriam ser destinados aos municípios para financiar políticas públicas aptas a melhorar a vida das populações locais.
A segunda finalidade é transformar emendas parlamentares em uma espécie de fundo eleitoral paralelo, como forma de manter no poder indivíduos ou grupos políticos abastecidos com mais recursos públicos para obras e ações marqueteiras do que seus adversários diretos. Ou seja, um ataque à democracia representativa.
Por último, o orçamento secreto tem servido nesses últimos anos para “empoderar” o Congresso, como se diz, em negociações, não necessariamente republicanas, com a Presidência da República – seja quem for o chefe de Estado e de governo. Como verdadeiros achacadores, congressistas indignos do mandato usam sua prerrogativa de emendar o Orçamento da União – a priori, legítima em um regime presidencialista multipartidário como o nosso – para impor seus interesses particulares na formulação da agenda nacional, no melhor cenário, e ocupar cargos da administração federal com propósitos inconfessáveis, no pior. E tudo isso em troca da formação de uma suposta base de apoio ao governo federal no Congresso.
A novidade, por assim dizer, é o comércio de indicações de emendas. Mas nada mudou na essência. O que tem mudado são os mecanismos técnicos por meio dos quais o Congresso tem mantido o seu poder de determinar o destino de um quinhão cada vez mais robusto do Orçamento da União sem transparência alguma e sem nenhuma coordenação entre políticas públicas federais, estaduais e municipais genuinamente transformadoras.
Para estarrecimento de praticamente ninguém, como outrora o esquema dos “Anões do Orçamento” fez o Brasil parar, o orçamento secreto permanece como o óleo que mantém as engrenagens do Congresso funcionando, a ponto de haver parlamentares que tratam abertamente o esquema como se fosse um “direito adquirido”. E, agora, do Maranhão vem essa notícia de que a indicação de emendas se tornou objeto de compra e venda.
O governo federal, por meio da Secretaria de Relações Institucionais, diz desconhecer qualquer ilegalidade na disposição das emendas. Um tom muito diferente do adotado por Lula da Silva durante a campanha eleitoral de 2022, quando o petista prometeu acabar com “a fonte do maior esquema de corrupção da história deste país”.
No STF, por sua vez, o ministro Flávio Dino, que assumiu a relatoria das ações que tratam do orçamento secreto após a aposentadoria da ministra Rosa Weber, marcou mais uma audiência de “conciliação” entre o governo e o Congresso para o próximo dia 10. Dino está certíssimo quando diz que é “absolutamente incompatível” com a Constituição o fato de a decisão da Corte de 2022, que julgou inconstitucional o orçamento secreto, como era óbvio, ainda não ter sido “adequadamente executada”, vale dizer, no sentido de dar transparência às emendas. Mas o ministro erra ao esperar que um dia assim será enquanto persistir nessa busca por “conciliação”.
Ora, não há o que conciliar. As emendas devem ser transparentes. E até que a sociedade tenha essa garantia, devem seguir suspensas.