O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ter a impressão de que há um “fantasminha fazendo a cabeça das pessoas e prejudicando o nosso plano de desenvolvimento”. Para ele, vários indicadores macroeconômicos mostram que o Brasil vai bem. “Às vezes me chega um comentário e eu fico pensando de onde está saindo essa informação?”, questionou o ministro, ao participar de audiência na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara na última quarta-feira.
A confirmar as assombrações do ministro, o mercado financeiro teve um dia péssimo para os negócios. Parte desse movimento foi consequência da ata do Federal Reserve, o banco central dos EUA, que sinalizou juros altos por mais tempo e não descartou elevá-los caso a inflação norte-americana volte a subir. Mas é inegável que parte dessa reação se deveu às palavras do próprio ministro, que não poderia ter escolhido forma mais desastrosa para criticar o pessimismo dos investidores.
“As nossas expectativas, que eram consideradas exageradas até outro dia, ‘ah, não vai acontecer o que a Fazenda está dizendo’, por enquanto, estão acontecendo”, afirmou Haddad. “As contas estão mais equilibradas, a inflação totalmente controlada, os núcleos estão rodando abaixo da meta, que é exigentíssima”, acrescentou.
Sabendo como o mercado financeiro funciona, o ministro poderia ter parado por aí, mas não se conteve. “Uma meta (de inflação) para um país com as condições do Brasil, de 3%, é um negócio inimaginável. Desde o regime de metas instituído, quantas vezes o Brasil teve 3% de inflação? Em quantos anos isso aconteceu, nos 25 anos do regime de metas?”, questionou Haddad.
É bem provável que o ministro não tenha se dado conta da gravidade do que dizia naquele momento. Fato é que havia uma expectativa no ar sobre a próxima decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), quando o colegiado formado por Haddad, pela ministra Simone Tebet e pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, se reunirá para confirmar o alvo da inflação de 2025 e de 2026 e fixar a meta de 2027.
A completar o quadro, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC expôs um racha entre os membros mais antigos e os indicados pelo presidente Lula da Silva. Essa divisão acendeu o alerta de que o governo está incomodado com os juros elevados e poderá mudar os rumos da política monetária em 2025, quando terá maioria entre os integrantes do Copom.
Como se sabe, a Selic é o principal instrumento da autoridade monetária para conduzir a inflação à meta definida pelo CMN. Para o mercado, a declaração de Haddad soou como um recado. Se a meta é “exigentíssima”, é porque está fora do lugar. Para piorar, quem já disse publicamente que a meta estava errada e precisava ser alterada foi ninguém menos que o presidente da República, em abril do ano passado.
Foi o suficiente para estragar o humor dos investidores de vez. A curva futura de juros embicou para cima, o dólar fechou em alta, o Ibovespa encerrou a quarta sessão consecutiva em queda e atingiu o menor nível em quase um mês. Esse cenário assombrado não foi provocado por nenhum “fantasma”, e sim pelo próprio ministro Haddad. Se há espíritos a perturbar o trabalho do ministro, não é no mercado financeiro que eles estão, e sim no entorno de Haddad. O mercado não torce contra o governo, mas tampouco ignora o contexto político em que está inserido.
O que não falta são detratores a atuar contra os objetivos de Haddad de equilibrar as contas, o que necessariamente requer reduzir o gasto público, cortar os subsídios e zerar o déficit primário. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), desqualificou Simone Tebet depois que esta propôs a correção dos benefícios previdenciários pela inflação, única forma de preservar o arcabouço fiscal. Já seria bastante grave, não fosse o fato de que Gleisi muitas vezes é a porta-voz informal de Lula da Silva.
Portanto, Haddad faria melhor se, em vez de se ocupar de fantasmas, enfrentasse os vivíssimos adversários do equilíbrio fiscal.