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Os paradoxos do Congresso

Congresso começou 2023 atacado por golpistas e terminou aprovando a reforma tributária; nessa epopeia, mostrou que ainda é a melhor representação do País, para o bem e para o mal

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Por Notas & Informações
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O Congresso iniciou 2023 sob odioso ataque. Após ser reduzido a escombros pela malta bolsonarista que, inconformada com a posse do presidente Lula da Silva, tentou um golpe de Estado a partir da destruição das sedes dos Poderes no infame 8 de Janeiro, conseguiu se reerguer, física e institucionalmente, e se firmou como uma das principais forças da resistência cívica que assegurou a vigência do Estado Democrático de Direito no País.

A resiliência da maioria dos parlamentares foi notável. O mesmo Congresso submetido a um assalto inaudito chegou ao final de 2023 notabilizado por um feito histórico: a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reforma o cavernoso sistema tributário brasileiro. Trata-se de uma conquista civilizatória só comparável, em tempos recentes, à criação do Sistema Único de Saúde e à recuperação do valor da moeda, com a implementação do Plano Real.

O Congresso também chegou ao recesso de fim de ano tendo aprovado, após muitas idas e vindas, duas leis fundamentais: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Ou seja, tudo segue rigorosamente normal naquela porção da Praça dos Três Poderes.

Nesse pequeno arco temporal, mas com divisas tão diametralmente opostas como uma tentativa de golpe de Estado e a promulgação de uma PEC ansiada pela sociedade havia mais de três décadas, é evidente que a atuação do Congresso foi marcada por erros e acertos. Porém, o que ficará para a história do Poder Legislativo decerto é a maturidade institucional demonstrada tanto pela Câmara como pelo Senado para lidar com os desafios nada triviais de 2023.

Num ano que começou tenso, para dizer o mínimo, ainda marcado por rusgas políticas paralisantes, os parlamentares conseguiram aprovar, além da citada PEC da reforma tributária, outras matérias igualmente fundamentais para o País, como, por exemplo, o novo arcabouço fiscal. Na prática, o ano legislativo teve início já nos estertores de 2022, com a aprovação da chamada PEC da Transição, que garantiu ao novo governo as condições materiais mínimas para administrar o País. De lá para cá, outros projetos de interesse nacional nas searas social, política e econômica avançaram no Congresso.

Mas, como não há espaço para ingenuidade nesta página, é forçoso dizer com todas as letras que 2023 também será marcado como um dos períodos em que o Congresso mais deteriorou a ordem institucional inaugurada pela Constituição de 1988. Com um apetite cada vez mais voraz, o Legislativo segue acumulando um poder que nem remotamente foi imaginado pelos constituintes originários – particularmente por meio da apropriação de fatias cada vez mais robustas do Orçamento.

Recordes nada honrosos foram batidos pelas duas Casas Legislativas em 2023. Fala-se em cerca de R$ 50 bilhões reservados para emendas parlamentares de todos os tipos em 2024, algumas de pagamento impositivo. Os fundos públicos que enchem os cofres dos partidos políticos, em especial o chamado fundo eleitoral, atingiram patamares indecentes. Ao longo de 2023, restou evidente a contradição entre um Congresso que foi firme ao repelir uma tentativa de golpe de Estado, mas, ao mesmo tempo, seguiu degradando a democracia representativa ao criar artimanhas cada vez mais engenhosas para escapar dos controles republicanos sobre o manejo do Orçamento.

A um só tempo, essas manobras urdidas nos salões de Brasília para aumentar o naco do Orçamento sob controle exclusivo dos deputados e senadores corroem a representatividade democrática, na medida em que favorecem a manutenção do poder político nas mãos dos atuais mandatários pela via do poder financeiro, e quebram o equilíbrio entre os Poderes exigido pela Lei Maior. Não há mais que se falar em presidencialismo de coalizão no Brasil.

Assim, o Congresso mostrou no atribulado ano de 2023 que ainda é a melhor representação do País, no que tem de pior, mas também no que tem de melhor. Esses paradoxos são, afinal, a cara da sociedade brasileira.