A conduta de Jair Bolsonaro na Presidência da República não vem provocando apenas aumento da reprovação a seu governo. Ela tem suscitado significativa quantidade de pedidos de impeachment. Segundo levantamento realizado pelo Estado, desde o ano passado, foram apresentados 48 pedidos de abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Desse total, a imensa maioria (41 pedidos) foi protocolada durante a pandemia do novo coronavírus.
Além de constituir um retrato das inquietações que a conduta presidencial gera em boa parte da população, esse conjunto de pedidos pode e deve ser ocasião para uma pausada reflexão por parte do Legislativo, do Executivo e também do Judiciário. Em 14 pedidos, por exemplo, há a acusação de prática de crime de responsabilidade por suposta interferência na Polícia Federal, tal como relatado por Sérgio Moro, ao pedir demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A investigação em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre essa matéria pode oferecer subsídios importantes para uma análise objetiva de tais pedidos pelo Congresso.
Outra matéria comum se refere ao modo como Jair Bolsonaro tem lidado com a pandemia do novo coronavírus. Em 20 pedidos, sustenta-se que o presidente Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao estimular o descumprimento da quarentena, tratando com descaso uma doença que já matou mais de 50 mil brasileiros. Entre as condutas denunciadas estão incentivos a aglomerações, menosprezo às consequências da covid-19 e omissões de dados sobre o novo coronavírus.
O levantamento do Estado também constatou que a argumentação mais frequente nos 48 pedidos de impeachment refere-se a crime de responsabilidade envolvendo conduta contrária à democracia. Nos últimos meses, o presidente Bolsonaro participou de sete manifestações que se opunham, em alguma medida, ao Estado Democrático de Direito. Trata-se de um tema fundamental, que merece especial atenção. Logo após fixar as competências privativas do presidente da República, a Carta de 1988 estabelece, por exemplo, que “são crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra (...) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”.
Segundo a Lei 1.079/1950, que regulamenta o processo de impeachment, “é permitido a qualquer cidadão denunciar o presidente da República ou ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados”. De fato, há pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro assinados por uma única pessoa. Mas há também petições coletivas, algumas com a presença de vários partidos e centenas de entidades e movimentos sociais.
As muitas e graves consequências da abertura de um processo de impeachment contra o presidente da República requerem especial prudência na ponderação das condições jurídicas e políticas desses pedidos. Até aqui, só um pedido foi arquivado. Todos os outros estão sob análise do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a quem compete decidir o seu destino imediato – arquivamento da denúncia ou recebimento para apreciação pela Casa.
Com razão, Rodrigo Maia tem falado em cautela, para não agravar a crise política e criar mais conflitos. “Não podemos pôr mais lenha na fogueira”, disse recentemente. A necessária prudência não significa, no entanto, passividade. Sendo seu papel constitucional fiscalizar o Poder Executivo, o Legislativo não pode se omitir na tarefa de confrontar as ações do presidente da República com as condutas típicas que, segundo a Constituição (art. 85) e a legislação específica (Lei 1.079/1050), constituem crime de responsabilidade.
A quantidade de pedidos de abertura de processo de impeachment apresentados revela uma saudável vigilância pela população, dentro dos procedimentos dispostos pelo Direito, sobre o exercício do poder presidencial. Além disso, a fundamentação da maioria dessas petições está longe de ser fantasiosa, merecendo cuidadosa análise. Não cabe imprudência, e tampouco omissão.