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PAC nas sombras

A infraestrutura é especialmente suscetível à malversação de verbas públicas. Os PACs trazem más lembranças, e a opacidade auferida pela Transparência Internacional, maus augúrios

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Por Notas & Informações
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Sob o céu do Planalto Central, célebre por seu resplendor e limpidez, as maquinações do poder em Brasília avançam envoltas em grossas nuvens de fumaça. Congressistas manobram para manter na penumbra o contrabando de emendas parlamentares a sua clientela espalhada pelo País. Os ministros do STF multiplicam e perpetuam inquéritos elásticos e secretos. O governo atual recicla subterfúgios do anterior para impor sigilo a documentos e sonegar dados solicitados via Lei de Acesso à Informação.

Segundo levantamento da Transparência Internacional, um dos fetiches lulopetistas ressuscitados nesta gestão, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está sendo operado igualmente nas sombras. Pelos critérios de disponibilização de informações do guia de Infraestrutura Aberta da própria Transparência Internacional, o PAC obteve 8,5 pontos de um total de 100. A organização também mensurou o programa pelos indicadores do Compêndio de Boas Práticas para Promoção de Transparência e Integridade em Infraestrutura, um padrão endossado pelo G-20. Só 10% foram satisfeitos.

O setor de infraestrutura é particularmente suscetível a riscos de malversação de recursos públicos, improbidade e corrupção. A esse respeito, os PACs não evocam boas lembranças. Não é só que fracassaram no seu intento de acelerar o crescimento – por sinal, os anabolizantes injetados via BNDES contribuíram para precipitar a recessão de 2016. A má governança tornou muitos projetos verdadeiros sumidouros de recursos públicos e terreno fértil para a corrupção.

Segundo levantamento do Tribunal de Contas da União do fim de 2023 – à época do lançamento do PAC 3 –, o PAC 1, do segundo mandato de Lula, só concluiu 9% das ações de infraestrutura previstas. O 2, lançado pela “mãe do PAC”, Dilma Rousseff, apenas 26%. De 21 mil obras financiadas com recursos da União, 8,6 mil estavam paralisadas; das 10 maiores, 8 nasceram com o PAC. Em 2021, o Tribunal apontou que “11 mil obras desapareceram dos bancos de dados”. O maior apagão estatístico foi nos dados do PAC.

Além do metrô de Caracas, outros elefantes brancos sob o guarda-chuva do PAC, como a Refinaria Abreu e Lima ou as Usinas de Belo Monte e Angra 3, se notabilizaram por projetos mal elaborados e mal executados, gastos ineficientes, paralisações e atrasos – fora os indícios de superfaturamento e corrupção.

Não surpreende que, segundo levantamento do Estadão/Broadcast em agosto, dos 11.656 projetos previstos no relançamento do PAC um ano antes, 5.666 ainda estivessem em “ação preparatória”. Mas, dada a opacidade que envolve o programa, talvez não seja uma notícia de todo ruim.

Pelos critérios da Transparência Internacional, o programa obteve nota zero na disponibilização de informações sobre as fases de planejamento preliminar, riscos socioambientais e fase interna de licitação; consultas prévias livres e informações à população atingida; e elementos específicos para concessões. Na disponibilização de dados e documentos sobre a fase externa de licitação, a nota foi de 6,25, e nos contratos das obras, 11,1.

As informações estão pulverizadas em diversos portais, muitos restritos a entes públicos, e mesmo naqueles que deveriam centralizar dados, como o PAC Seleções ou o Painel Obras, a sistematização é precária. Os critérios para seleção de projetos não foram publicados até hoje, inviabilizando a fiscalização do processo decisório. As informações sobre investimentos feitos por concessão e parcerias público-privadas também são obscuras.

O Brasil certamente precisa ampliar sua infraestrutura. Mas a precondição para garantir que os recursos sejam alocados com eficiência e integridade é garantir que os órgãos de controle e a sociedade civil possam monitorar sua execução.

Em agosto de 2023, Lula afirmou que o lançamento do PAC marcava o começo de seu governo. Se é assim, começou mal, e avança tropegamente envolto em sombras. Já que o governo insistiu em exumar o PAC, deveria cuidar de sepultar os riscos que suscitaram um nada edificante apelido: “Programa de Aceleração da Corrupção”.