Não é difícil de apontar as deficiências do governo de Jair Bolsonaro. Ao longo desses quatro anos, foram implementados retrocessos evidentes em diversas áreas. Como escreveu Simon Schwartzman no Estadão (As três agendas da transição, dia 9/12), a primeira e indispensável agenda do próximo governo é a de “desfazer as ações de terra arrasada do bolsonarismo na saúde, na educação, na política ambiental, na cultura, na ciência, tecnologia e no estímulo ao ódio, ao armamentismo e à violência política”. Mas isso não é suficiente. A agenda mais importante, lembrou Schwartzman, “é a de iniciar políticas públicas inovadoras, capazes de lidar de forma efetiva com as condições de pobreza e precariedade da população brasileira e fazer o País retomar um ritmo saudável de desenvolvimento econômico e social”.
O País precisa de políticas públicas inovadoras. A eleição presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva – e isso vale para qualquer outro cargo público – não pode representar uma volta no tempo. As soluções para os problemas nacionais não estão no passado. Quando se diz que o interesse público estará mais bem atendido se a política econômica do novo governo aproximar-se mais de Lula I do que de Lula II, não significa pleitear uma volta ao passado – a aplicação das mesmas políticas do primeiro mandato petista –, mas simplesmente reconhecer que a virtude da responsabilidade (no caso, em matéria fiscal) tem de permear toda ação governamental.
Um novo governo deve ser – é isso, afinal, o que se espera de um novo mandato – um governo realmente novo, oxigenado com boas ideias, propostas e iniciativas. O País tem muitos desafios. A fome voltou. A educação avançou nas últimas décadas, mas precisa progredir muito. Os índices de aprendizagem são severamente insatisfatórios. O saneamento básico é uma chaga aberta. Falta infraestrutura e sobram entraves para quem deseja empreender. É normal que, numa campanha eleitoral, o postulante ao cargo público fale de seus feitos em governos passados. Mas – eis o ponto que não pode ser ignorado – mesmo as melhores ideias e iniciativas dos governos petistas são insuficientes para os desafios contemporâneos do País.
Nem se fale, por óbvio, que o PT não tem o direito de repetir seus erros passados. A eleição de Lula não significa uma espécie de absolvição em relação aos muitos equívocos do partido, com uma autorização para replicá-los. Achar isso denotaria grave incompreensão do cenário político, verdadeiro alheamento da vontade do eleitor, bem como um indesculpável desprezo pelo País. Governar é ter a responsabilidade de cuidar do bem comum, e não fazer o que bem entender. Vale lembrar que foi justamente esse modo despótico de exercer o poder que o eleitor rejeitou nas urnas de 2022, ao não conceder um segundo mandato presidencial a Jair Bolsonaro.
Reconstruir a racionalidade pública é, em sua primeira e imediata etapa, remover os retrocessos dos últimos quatro anos. Mas requer muito mais do que isso. É fazer um correto diagnóstico dos problemas nacionais. É detectar boas políticas públicas implementadas ao longo dos anos, também por governos não identificados com as ideias petistas. É não destruir o bom trabalho feito pelo Congresso, também em relação a projetos em que o PT pode ter sido, durante sua tramitação, oposição. É essa racionalidade, esse compromisso com o interesse público, que se espera de todo novo governo.
Depois de quatro anos de bolsonarismo no Palácio do Planalto, o País está sedento por um novo patamar de responsabilidade, o que inclui de forma muito especial planejamento, estudo, reflexão e diálogo. Há muito a fazer, mas não basta ativismo ou voluntarismo. Nesse sentido, um governo genuinamente amplo, que esteja de fato conectado com muitos e diversos setores da sociedade brasileira, pode proporcionar uma compreensão mais abrangente dos problemas e das possíveis soluções. Basta de estreiteza de visão. O País já sofreu muito com ideias fixas e dogmas, sejam eles petistas, dilmistas ou bolsonaristas.