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Economista, Presidente-Executivo Da IBÁ, Membro do Conselho Consultivo do RENOVABR, Foi Governador Do Estado Do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)

Opinião|Mercado de carbono como norma mobilizadora

Catalisar ações, criar comportamentos, atrair capital, é isso que se espera da lei do mercado de carbono

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Por Paulo Hartung e Natália Renteria
Atualização:

O Brasil passa por uma encruzilhada em relação ao seu marco legal de mercados de carbono. Desde 2021, quando o assunto foi colocado ao Legislativo, as arenas de discussões se multiplicaram. Após sucessivas tentativas, o PL 412 foi apresentado no Senado e revisto pela Câmara, encontrando-se de volta ao Senado, agora sob o número PL 182/2024. Debates sobre a tramitação e seus ajustes finais colocam em jogo o desenvolvimento dos mercados de carbono no Brasil.

Existe um verdadeiro clamor do setor empresarial, da sociedade e da academia para que uma regulação de carbono seja desenvolvida no Brasil, respeitando conceitos climáticos essenciais e conectividade a padrões internacionais. Ou seja, o que se deseja é uma lei que respeite a integridade climática e impulsione a economia do carbono no País.

O marco legal que hoje está sendo discutido é uma lei que cria o mercado regulado no Brasil e traz regras de comercialização dos créditos do mercado voluntário (offsets), já existente e utilizado por diversas empresas. Outro ponto trazido é a interoperabilidade entre esses dois mercados, que, ao criar um fluxo controlado entre eles, potencializa o uso dos créditos de carbono e traz flexibilidade para o cumprimento das metas do mercado regulado. É, portanto, reconhecida a existência de dois ambientes, formando um ecossistema de dinâmicas que, apesar de possuírem objetivos e públicos distintos, se completam para a redução da concentração de CO2 na atmosfera.

O mercado regulado de carbono é uma política pública impositiva de redução de emissões de CO2 para alguns setores econômicos nacionais que serão englobados de forma gradual, sendo um dos instrumentos para atender aos compromissos climáticos assumidos perante a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Além disso, a adoção de uma lei como essa protege a indústria de barreiras comerciais climáticas internacionais, que já estão sendo adotadas pelos nossos principais parceiros.

Já o mercado voluntário, baseado em projetos que geram créditos de carbono, cuida de transações realizadas livremente, seguindo as metodologias de certificadoras e passando por auditorias externas. Essas transações atendem atores que não têm obrigação de redução imposta, mas que gostariam de adotar atividades de redução. E, para o Brasil, esse tipo de mercado tem uma característica especial: pode ser por meio dele que os ativos naturais do País serão valorados, formando um verdadeiro fluxo de atração de capital estrangeiro.

É preciso lembrar que o Brasil apresenta posição única na economia do clima mundial. Somos expoentes das chamadas “soluções baseadas na natureza”, isto é, temos enorme potencial de oferecer ao mundo créditos de preservação e remoção de carbono a partir de atividades agroflorestais como nenhum outro país no mundo, com qualidade e abundância. Levar em consideração essa especificidade será essencial para o desenho de uma regulação de carbono de sucesso.

E, dentro desse universo das possibilidades de projetos agroflorestais, cabe destacar o momento único em relação à indústria do restauro florestal. Os projetos de carbono do mercado voluntário já atraíram o aporte financeiro que faltava para trazer a escalabilidade à indústria de restauro que até hoje no Brasil foi artesanal e com pouca atratividade para um investimento não filantrópico.

O mercado voluntário de carbono tem potencial de ser o elo que torna uma atividade realizada em pequena escala em um verdadeiro sistema econômico, fomentando o crescimento desse setor no País. Não se enganem: o crédito de carbono é o elemento financeiro que faltava para equilibrar a conta de projetos de restauro de nativas, intensiva em capital e que tem de se provar atrativa diante de outras atividades econômicas no campo.

O tempo nos trouxe a triste realidade de ver o risco climático se materializar em desastre climático. Não podemos mais esperar. A norma ambiental, que tradicionalmente se reveste de características de comando e controle, ganha complexidade. Diante de considerações de urgência climática, ela assume novos contornos e se torna norma econômico-ambiental, com papel mobilizador. Catalisar ações, criar comportamentos, atrair capital, é isso que se espera da lei do mercado de carbono.

A lei que está sendo debatida, e que se deseja que seja adotada em breve, não deve trazer amarras para o desenvolvimento do mercado e atração de capital estrangeiro. Ao contrário, ela deve apontar que o País entende a oportunidade e que a regulação pavimenta um caminho de crescimento econômico-social, com medidas estruturantes claras e favoráveis. Se, ao final da leitura do texto da lei, não possuir uma ou outra característica, é porque há espaços para ajustes, sendo esta a hora de fazê-los.

O foco neste momento deve ser a favor da adoção célere de um marco legal claro e técnico, que abranja um modelo de atração inequívoco de capital para atividades de valoração dos nossos ativos naturais e de proteção da indústria nacional de medidas protecionistas de fundo climático. Assim, a lei irá compor um conjunto legislativo a favor não só da redução de emissões, mas também da adaptação e resiliência climáticas.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ECONOMISTA, PRESIDENTE-EXECUTIVO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES (IBÁ), EX-GOVERNADOR DO ESPÍRITO SANTO; E ADVOGADA, DIRETORA DE ASSUNTOS REGULATÓRIOS NA BIOMAS, MESTRE EM DIREITO EUROPEU E INTERNACIONAL, DOUTORA EM GOVERNANÇA CLIMÁTICA GLOBAL

Opinião por Paulo Hartung

Economista, presidente-executivo da Ibá, membro do Conselho Consultivo do RenovaBR, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)

Natália Renteria

Advogada, diretora de Assuntos Regulatórios na Biomas, é mestre em Direito Europeu e Internacional e doutora em Governança Climática Global

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