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PCC forte é reflexo de Estado fraco

Um time de futebol numa penitenciária do interior paulista não se torna uma das organizações criminosas mais perigosas do mundo sem a complacência, para dizer o mínimo, de agentes públicos

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Por Notas & Informações
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Trinta anos se passaram desde que o Primeiro Comando da Capital (PCC) surgiu nas entranhas do sistema prisional, especificamente no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, em 31 de agosto de 1993. Para os criminosos, a data decerto foi motivo de festa. Afinal, é impressionante a trajetória percorrida pelo PCC nessas três décadas – um time de futebol formado por oito presos numa penitenciária do interior paulista que se tornou uma das organizações criminosas mais poderosas do mundo. Já para a sociedade, o marco é razão de lamento e indignação. Porém, para que sirvam como força transformadora de uma triste realidade, esses sentimentos devem suscitar uma reflexão sobre o contexto de ausência do Estado em que o PCC encontrou solo tão fértil para florescer.

O surgimento e o empoderamento de uma quadrilha como o PCC estão diretamente relacionados à incapacidade do Estado, fruto de seu desleixo com o tema, de manter os cidadãos sob sua custódia de acordo com as determinações da Lei de Execução Penal e da Constituição. Encarceramento em massa, prisões superlotadas, tratamentos desumanos e programas de ressocialização insuficientes formam um quadro de violação sistemática de direitos fundamentais da população carcerária, classificado pelo Supremo Tribunal Federal como um “estado de coisas inconstitucional”.

Em boa medida, essa incapacidade do Estado, que deu azo não só ao surgimento e expansão do PCC, como de outras quadrilhas que encontram nos presídios fonte abundante de mão de obra, se deve ao alheamento de parcela da sociedade em relação à situação carcerária no País. Muitos veem o encarceramento como um ato de vingança do Estado, e não como a expressão do cumprimento da lei, com objetivos definidos a serem perseguidos.

Nada mais revelador desse ethos vingativo do que a lógica segundo a qual “bandido bom é bandido morto”, que tanto seduz alguns. Além de inconstitucional, trata-se de uma concepção de segurança pública extremamente perigosa para a própria sociedade. O resultado aí está. Nunca se prendeu tanto no Brasil, mas nem por isso a percepção de segurança dos cidadãos é maior – ao contrário. Nos últimos anos, os indicadores de violência no País, em particular o número de mortes violentas intencionais, oscilam de acordo com os humores da cúpula das quadrilhas mais violentas, entre as quais o PCC se destaca, e não como resultado de políticas públicas bem concebidas e implementadas pelo Estado na área de segurança.

O PCC jamais teria chegado aos 30 anos nem tampouco teria acumulado tanta influência e tanto poder (bélico e econômico) sem a complacência do Estado, quando não a cooptação de agentes públicos para suas hostes. Essa ineficiência do poder estatal é aviltante para a sociedade, mas, sobretudo, para os muitos servidores públicos nas polícias, no Ministério Público e no Poder Judiciário que, ao longo de todo esse tempo, imbuídos do mais elevado espírito público, se dedicam à prevenção e à repressão do crime organizado, especialmente do PCC, inclusive pondo em risco suas vidas e as de seus familiares.

Inicialmente voltado à questão das condições da população carcerária em São Paulo, o PCC logo revelou sua real natureza e se constituiu como a violenta organização criminosa que é hoje, presente em quase todos os Estados do País, expandindo-se para países vizinhos e com faturamento anual na casa dos bilhões apenas com o tráfico de drogas, sem falar da renda obtida com a exploração da miséria dos dependentes químicos que vagam pela Cracolândia, o chamado “novo cangaço”, o roubo de celulares nas cidades e os crimes ambientais na Região Amazônica, entre outros.

Por mais paradoxal que seja, o crescimento do PCC pode ser a chave para sua derrota definitiva. É tão grande que não pode ser ignorado, tampouco tolerado, pelo Estado e pela sociedade. Entre outros meios, é preciso inteligência investigativa para assegurar a asfixia financeira da organização criminosa – e assim virar essa terrível página da história nacional.