Em artigo publicado no Financial Times, o diretor executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), Fatih Birol, antecipa uma importante informação do relatório anual que será divulgado em outubro. O mundo está testemunhando o começo do fim da era dos combustíveis fósseis, que devem atingir o pico de demanda ainda nesta década para, em seguida, iniciar a curva declinante. É a primeira vez que a AIE prevê para antes de 2030 o auge da demanda.
Nos cenários traçados por Birol para os três principais combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão), uma peculiaridade chama a atenção: não são previstas quedas lineares de demanda, mas picos, quedas e patamares durante todo o trajeto de descida. Por isso, políticas energéticas definidas mundo afora consideram a necessidade da manutenção de pesados investimentos no fornecimento de petróleo e gás.
Como um grande produtor, o Brasil precisa tomar uma decisão urgente sobre o que fazer com suas reservas de petróleo. Cientes de que a transição energética não é um processo disruptivo, com a substituição de fontes de energia num estalar de dedos, companhias produtoras de petróleo participam hoje de uma frenética busca por investimentos que justifiquem custos, riscos e prazos de execução, enquanto trabalham, internamente, em seus próprios planejamentos de transição.
A decisão política do Brasil não pode mais ser protelada, considerando que os trabalhos de exploração em campos marítimos de petróleo demoram entre seis e dez anos até o início da produção. Como não há exploração de novas fronteiras para repor as reservas do pré-sal – já em fase declinante –, não é exagero dizer que o País corre o risco de chegar ao ponto de pico de demanda previsto pela AIE como dependente de importação.
O que está acontecendo hoje pode se traduzir em um hiato na oferta interna em alguns anos. De acordo com monitoramento feito pela própria AIE, em junho o consumo mundial de petróleo atingiu a média de 103 milhões de barris por dia. As estimativas de mercado são de que, em 2050, essa demanda se reduza a algo em torno de 60 milhões de barris/dia. Uma queda forte, mas ainda assim um consumo gigante. Basta compará-lo ao recorde da produção brasileira, alcançado em julho: 4,4 milhões de barris/dia.
Hoje, a Bacia da Foz do Amazonas é o exemplo mais gritante do limbo em que o País se encontra, com o interminável cabo de guerra entre os Ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia. Mas há dezenas de outros casos. No mais recente, a Shell anunciou, em agosto, a desistência de quatro dos dez blocos adquiridos na Bacia de Barreirinhas, no Maranhão, também na chamada Margem Equatorial, pela dificuldade de obter licenciamento para o início da operação.
Quanto mais o tempo passa, mais custoso é o investimento. A antecipação do ponto de virada da transição energética foi atribuída por Birol a questões como o aumento espetacular da energia limpa, com uma frota mundial crescente de carros elétricos, especialmente na China. Ele admitiu, porém, que a procura por fontes alternativas de combustíveis será muito diferente em cada região e que ainda está previsto crescimento na demanda por petróleo em economias emergentes e em desenvolvimento.
O governo brasileiro está permitindo a criação de um vácuo que tem deixado o País em suspenso. A hora de decidir se serão permitidas novas atividades de exploração de petróleo é agora, sob o risco de invalidar investimentos num futuro próximo. Caso a decisão política seja a de deixar as reservas de petróleo onde estão, que isso fique claro, mesmo assumindo o duplo prejuízo de não transformar em capital esses recursos e de aumentar a dependência brasileira de fornecedores externos.
O mercado brasileiro não acompanha, como se sabe, a escalada de eletrificação veicular que vem sendo verificada em outras partes do mundo. A migração do maquinário industrial nacional para fontes mais limpas também é lenta. Já a tecnologia do petróleo no Brasil é uma das mais avançadas do mundo. Uma expertise que não pode ser jogada no lixo.