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Plantão judiciário a favor do crime

O CNJ deve ser implacável com o exercício da magistratura em conluio com o crime. Caso no tribunal da Bahia é um escândalo, que destrói a autoridade e a imagem do Judiciário

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Por Notas & Informações
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Na terça-feira passada, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afastou um desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia que se serviu do plantão judiciário de um domingo para conceder prisão domiciliar a um dos líderes e fundadores da maior facção criminosa do Estado, a Bonde do Maluco. Condenado a mais de 15 anos de prisão, pelos crimes de organização criminosa, associação com o tráfico de drogas, homicídio e tortura, Ednaldo Freire Ferreira, conhecido como Dadá, cumpria pena em um presídio de segurança máxima em Pernambuco.

A história é um escândalo. No sábado à noite, dia 30/9, a defesa de Dadá pediu a concessão do regime domiciliar alegando que ele precisava cuidar de um filho menor de idade com “transtorno do espectro de autismo nível 3″. Horas depois, na madrugada de domingo, o desembargador Luiz Fernando Lima considerou adequado e justificado o pedido e concedeu a prisão domiciliar a Dadá, em razão de o filho ser “completamente dependente da figura paterna”.

A decisão do desembargador plantonista foi revogada horas depois – era um evidente absurdo –, mas o criminoso já havia sido liberado do presídio e não foi mais encontrado. Como era óbvio, Dadá não está cuidando do filho. Está foragido da Justiça.

O afastamento do desembargador foi determinado pelo CNJ antes mesmo da instauração do processo administrativo disciplinar, que agora vai apurar a conduta do magistrado que, “sem as cautelas mínimas, em aparente contrariedade às normas que pautam as hipóteses de plantão judiciário e o princípio do juiz natural, concede prisão domiciliar a preso de alta periculosidade”. O art. 15 da Resolução CNJ n.º 135/2011 autoriza o afastamento cautelar, “assegurado o subsídio integral”. Segundo o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, há vários elementos que comprovam a atuação diferenciada e injustificada do magistrado em favor do criminoso Dadá, com graves danos à segurança pública.

“A conduta do magistrado, segundo apurado até aqui, maculou de forma grave a imagem do Poder Judiciário, com evidente perda da confiança dos jurisdicionados na sua atuação. Necessário, assim, seu afastamento cautelar imediato”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão.

O uso de plantão judiciário para soltar um réu condenado representa um escárnio com a sociedade, com o Direito e com o próprio sistema de Justiça – que, no caso, havia conseguido atuar corretamente, prendendo o líder da facção criminosa. Os efeitos dessa manobra vão muito além dos graves e inegáveis danos à segurança pública.

A imagem de todo o Judiciário fica maculada quando a sociedade vê um desembargador atuando, na prática, em favor de um integrante de uma organização criminosa. Essa conduta escancarada suscita também questionamentos sobre a percepção de impunidade dentro do próprio sistema de Justiça – o que não é especialmente abonador para a autoridade da Justiça perante a população.

Fez bem em agir prontamente o CNJ, mas não basta o afastamento do magistrado. É preciso concluir o processo administrativo, aplicando de forma rigorosa as penalidades e as demais consequências previstas na lei. Além disso, é necessário rever as regras do plantão judiciário, de forma a impedir – ou, ao menos, reduzir drasticamente – esse tipo de manobra. A sociedade não pode ficar refém de um magistrado que não honra seus deveres no cargo. O sistema de Justiça não pode ficar refém de um desembargador indiferente aos limites da lei e da ética, pondo a perder todo um trabalho de investigação e de julgamento.

O caso da Bahia exige punição exemplar. O resultado do procedimento administrativo no CNJ não pode ser apenas, como ocorre muitas vezes, a aposentadoria compulsória com salário integral. Isso é prêmio, não pena.

Nessa história, há ainda um efeito colateral muito ruim. Desmoraliza-se o instituto da prisão domiciliar, que pode ser extremamente eficiente e funcional, desde que cumpridas as condições legais. Dadá tinha de estar num presídio de segurança máxima. Mas há muitos casos em que a prisão domiciliar faz todo o sentido.