A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou no dia 21 passado o Projeto de Lei Complementar 9/2024, proposto pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que institui as escolas cívico-militares na rede estadual de educação. O projeto autoriza que os municípios paulistas que assim desejarem poderão adotar o “modelo”, chamemos assim, em suas próprias redes.
Foram 54 votos favoráveis e apenas 21 contrários, um placar que demonstra, inequivocamente, que Tarcísio conta com uma confortável base de apoio ao governo na Alesp. Ao mesmo tempo, porém, a votação revela quão associados estão os Poderes Executivo e Legislativo de São Paulo no patrocínio de uma política educacional irremediavelmente errada, pois as escolas cívico-militares padecem de um vício de origem.
Essa ideia de política pública na área de educação, que ganhou força durante o governo de Jair Bolsonaro, ignora um princípio basilar da democracia moderna – sem falar as melhores práticas em gestão escolar, tanto do ponto de vista administrativo como pedagógico. No Estado Democrático de Direito, a educação pública deve ser, necessariamente, civil e laica. Com razão, o deputado Eduardo Suplicy (PT), contrário ao projeto, alertou que “a introdução de elementos militares nas escolas pode criar uma atmosfera mais autoritária e hierárquica, onde o foco na disciplina e na obediência pode se sobrepor aos princípios da liberdade de expressão e (ao estímulo do) pensamento crítico” dos estudantes.
Além desse ponto sublinhado por Suplicy, o trabalho em escolas públicas não pode ser confundido com cabide de emprego nem muito menos com um “bico” para que policiais militares (PMs) da reserva possam complementar a renda dando pito em jovens arteiros. De acordo com o projeto, além da manutenção da ordem e da disciplina no ambiente escolar, atuando como “monitores”, os policiais militares da reserva poderão desenvolver “atividades extracurriculares” – quais, ainda não se sabe. A educação formal, vale dizer, o ensino das disciplinas tradicionais, seguirá a cargo de professores civis.
Aparentemente, há aqui uma confusão nessa estrutura organizacional proposta pelo governo para as escolas cívico-militares. Afinal, na exposição de motivos encaminhada à Alesp, o secretário estadual da Educação, Renato Feder, afirmou que “é inquestionável o fato de que os resultados (pedagógicos, infere-se do texto) alcançados pelas escolas militares ao longo dos anos são exemplares”. O que isso tem a ver com o projeto aprovado, se a condução pedagógica das escolas cívico-militares, como destacou o governador em pessoa, seguirá sob responsabilidade de civis? Ou se está diante de um erro de comunicação que precisa ser prontamente corrigido, no melhor cenário, ou se trata de desinformação pura e simples, no pior. Ora, é iludir pais, mães e responsáveis que se sintam estimulados a matricular suas crianças numa escola cívico-militar fazê-los acreditar que essas unidades serão similares às que são administradas pelas Forças Armadas para educar filhos de militares.
Ademais, nesse programa subjaz uma concepção muitíssimo equivocada, para dizer o mínimo, de ordem, segurança e disciplina nas escolas. Os rigores inerentes ao ambiente castrense, por óbvio, não podem ser transpostos, minimamente que seja, para o ambiente escolar como forma de conter ou reprimir comportamentos indesejáveis de crianças e adolescentes.
Para piorar, os defensores das escolas cívico-militares argumentam que essas escolas permitem que os alunos tomem contato desde cedo com valores como “civismo” e “honestidade”, além de estarem expostos a uma “cultura de paz”, como se escolas civis, por contraste, fossem antros de degeneração, desonestidade e indisciplina. Chega a ser uma ofensa aos professores e diretores das escolas, públicas e privadas, que não têm policiais aposentados como bedéis.