O presidente Lula da Silva decidiu retomar a promessa que fez durante sua campanha eleitoral e ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para até R$ 5 mil. Para ele, trata-se de um “compromisso de justiça”, já que pessoas mais ricas, muitas vezes, pagam menos impostos, na proporção de sua renda, que trabalhadores assalariados. “Então, eu quero sim fazer essa justiça e acho que nós temos de tirar de alguém”, afirmou, em entrevista à Rádio O Povo/CBN, de Fortaleza.
Ninguém que conheça a realidade socioeconômica brasileira poderá ser contra a ideia de taxar mais quem tem mais ou cobrar menos impostos de quem ganha menos. Todo sistema tributário deve ser o mais justo, amplo, equilibrado e progressivo possível, princípios que qualquer governo deveria buscar, independentemente do espectro político. A questão é que não é por isso que Lula da Silva defende essa proposta, mas por pura demagogia.
Não é por acaso que o presidente tenha ressuscitado a promessa neste momento. Encerrada a primeira etapa das disputas municipais, as dificuldades dos candidatos do Partido dos Trabalhadores ou apoiados pela sigla se tornaram ainda mais evidentes, e nada indica que o desempenho será muito diferente no segundo turno. Em um cenário político adverso, uma bandeira eleitoral capaz de furar a bolha e alcançar a classe média pode vir a calhar – se não agora, para a disputa presidencial de 2026.
O problema é que, como quase toda bandeira eleitoral, ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física para R$ 5 mil é algo absolutamente irrealista em um país como o Brasil. O rendimento real habitual dos trabalhadores atingiu R$ 3.228 no trimestre encerrado em agosto, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Parece pouco, mas o valor corresponde a um aumento de 5,1% em relação ao mesmo período de 2023 e foi alcançado no momento em que a taxa de desemprego atingiu 6,6%, o menor resultado de toda a série histórica da pesquisa. Isso traduz a realidade de um país de renda média, grupo de 108 nações no qual o Brasil se insere, segundo critérios do Banco Mundial. Infelizmente, quem recebe mais de R$ 5 mil no País ganha mais que a maioria da população.
No ano passado, a arrecadação com IRPF rendeu R$ 59,472 bilhões ao governo federal. Não parece muito ante o total de receitas administrado pela Receita Federal no período, de R$ 2,241 trilhões, mas, a título de comparação, o valor corresponde a 35% do orçamento do Bolsa Família daquele ano, de quase R$ 169 bilhões. Não parece crível que o País possa abrir mão dessa arrecadação.
Nada disso impede o governo de adotar medidas para distribuir a carga tributária de maneira mais equânime sobre patrimônio e renda, historicamente subtributados em relação ao consumo e aos salários. Mas, quando teve a chance de tornar a carga sobre bens e serviços mais justa, o governo trabalhou pelo oposto ao defender a inclusão das carnes na cesta básica desonerada, ainda que o item seja majoritariamente consumido pelas classes sociais mais favorecidas.
Ademais, criar um imposto mínimo para pessoas físicas com renda acima de R$ 1 milhão e ampliar a tributação sobre lucros e dividendos de pessoas físicas que atuam como empresas do Simples Nacional pode ser opção para tornar o País menos desigual, mas será preciso contar com o apoio do Congresso para colocar essas opções em prática.
Ainda que isso viesse a ocorrer, o que parece improvável, o fato é que o Executivo federal não deveria abrir mão de qualquer centavo que chegue aos cofres públicos. Afinal, com raras e pontuais exceções, o País registra déficits primários estruturais há mais de dez anos, ou seja, despesas maiores que as receitas. Por mais desagradável e impopular que isso pareça, não há justificativa para ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física que não passe pelo cálculo eleitoral de Lula da Silva.