O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade manter uma liminar que suspendeu as emendas parlamentares impositivas até que a sua execução siga critérios de publicidade e rastreamento. É preciso ter claro o teor e o alcance da decisão. A Corte não criminalizou as emendas – e nem poderia, dado que foram previstas pela Constituição. Tampouco impôs restrições a questões que devem ser objeto de concertação entre o Executivo e o Legislativo, como o volume das emendas, suas modalidades ou seu caráter impositivo.
A tendência do Congresso a manter o status quo foi inviabilizada pelo Supremo. A tendência do governo de restaurar o status quo de antes de 2015, quando as emendas eram residuais e o Executivo controlava toda a execução – podendo inclusive contingenciar 100% ou usá-las exclusivamente como moeda de troca para granjear apoio –, não é realista nem desejável. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio.
Restaurar a transparência, como exige o STF, é condição necessária, porém não suficiente para conferir às emendas um caráter republicano. A opacidade, que chegou ao paroxismo com o chamado “orçamento secreto”, facilita a corrupção e permite que alguns parlamentares recebam mais recursos que os demais, violando a equidade representativa. Já outras distorções no estado atual desse dispositivo, como o seu volume elevado, a descoordenação das políticas públicas ou a ineficiência dos gastos, precisarão ser resolvidas por arranjos entre os Poderes eleitos.
Desde a última legislatura, o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV tem publicado uma série de consultas a especialistas em Orçamento a fim de oferecer propostas para uma nova cultura orçamentária. Eles notam que em democracias avançadas o papel do Legislativo na coordenação das políticas públicas é cada vez maior. Isso é razoável e legítimo. Afinal, os parlamentares também são representantes eleitos e conhecem de perto as necessidades de quem representam. O problema no Brasil é que o Congresso assumiu a alocação de uma parcela exorbitante dos gastos federais sem se comprometer com a necessária coordenação desses gastos conforme os objetivos da União. Infladas e pulverizadas, as emendas servem a propósitos paroquiais e imediatistas. Mesmo que passem a ser distribuídas com transparência e equidade, o problema da eficiência e produtividade persistirá.
Em sua Carta de abril, o Ibre compilou cinco recomendações principais para aprimorar a interação entre Legislativo e Executivo: i) capacitar o Congresso, melhorando sua estrutura técnica e qualificando o método de definição das emendas; ii) promover uma avaliação de retorno econômico e social das emendas, estabelecendo critérios mínimos para inclusão no Orçamento; iii) regulamentar a indicação dos beneficiários das emendas de comissão, mitigando a volta da dinâmica do orçamento secreto, em que um parlamentar pode dispor do Orçamento como quiser; iv) criar condições para fiscalizar as transferências especiais, as chamadas “emendas Pix”; e v) fortalecer as comissões temáticas (de saúde, educação, etc.) para ampliar sua interação com as áreas setoriais do governo, ao mesmo tempo que devem ganhar mais força política no Congresso.
O volume desproporcional das emendas em qualquer comparação internacional também precisaria ser limitado a um teto. As comissões podem articular todos os anos um banco de projetos aptos a receberem mais dotações por meio de emendas. Organismos do Congresso, como a Instituição Fiscal Independente, podem assumir um papel no desenho de prioridades e mensuração do retorno das emendas. Além disso, será preciso robustecer órgãos de fiscalização, como a Controladoria-Geral ou o Tribunal de Contas da União, para adaptá-los à nova realidade orçamentária.
Essas não são as únicas nem necessariamente as melhores soluções. Mas o fato é que, se quer mais poderes sobre o Orçamento – o que, repita-se, é legítimo –, o Congresso precisa se dispor a assumir mais responsabilidades.