Completaram-se na semana passada 90 anos da aprovação do voto feminino no País, um direito fundamental para que as mulheres pudessem exercer com plenitude seu papel como cidadãs. Se hoje o voto, malgrado formalmente obrigatório, na prática tenha se tornado facultativo, dada a facilidade para justificar a ausência, a emancipação não se daria sem o movimento sufragista nacional, liderado por Bertha Lutz e Celina Guimarães, entre tantas outras. O decreto que instituiu o voto feminino não foi mera concessão de Getúlio Vargas. Chegou-se a cogitar de garantir a prerrogativa apenas a solteiras e viúvas que exercessem “trabalho honesto”; para as casadas, e somente com autorização do marido. O voto foi um passo na direção da busca por mais igualdade que, no Brasil, vinha de antes, mas não havia sido acolhido pela primeira Constituição republicana (1890).
O ato de votar pressupõe o direito de também ser votada. Nesse sentido, a foto reproduzida em edição do Estadão do dia 23 de fevereiro diz mais que qualquer palavra sobre a representatividade feminina na sociedade brasileira. Primeira deputada eleita no País, Carlota Pereira de Queirós figura, solitária, como única mulher entre os parlamentares na Assembleia Constituinte em 1934. No Senado, a posse da primeira senadora se deu apenas em 1979, quando a professora Eunice Michiles assumiu o mandato pelo Amazonas. “Eu sentia muito carinho, mas pela ‘dama’ e não pela ‘colega de trabalho’. Eu sentia claramente isso”, disse ela, recebida pelos colegas com “flores e poesia”.
O cenário político evoluiu, mas não é tão diferente. A Câmara tem hoje 77 deputadas entre 513 parlamentares. No Senado, elas são 13 dentre 81. No Executivo, a participação é ainda menor. O País só teve uma presidente, Dilma Rousseff. Na campanha presidencial deste ano, há apenas uma candidata, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), a quem muitos insistem em, prematuramente, relegar o papel de vice. Se as estatísticas provam que a violência de gênero é incontestável, ela se reproduz, também, no Legislativo, que reflete com perfeição esse e outros aspectos da sociedade brasileira. Há pouco mais de um ano, parlamentares foram chamadas de “deputéricas” por um colega da base do governo durante a discussão de uma medida provisória. Não houve qualquer punição por parte do Conselho de Ética da Câmara.
Um estudo conduzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pela ONU Mulheres divulgado em 2020 colocava o Brasil em 9.º lugar entre os 11 países da América Latina no que diz respeito aos direitos políticos e à paridade política entre homens e mulheres. O exercício do direito ao sufrágio é a dimensão em que o País melhor pontuou no levantamento, mas os dados mostraram haver um longo caminho a ser percorrido no combate à violência de gênero, na garantia de competitividade das candidaturas femininas, em vez do uso de mulheres como “laranjas”, bem como na presença nos Três Poderes.
Uma das recomendações do estudo é garantir espaço às mulheres dentro das legendas partidárias e nas posições de liderança que não apenas da bancada feminina. A falta de representatividade tem custo alto, principalmente para a parcela mais vulnerável da população. O exemplo mais recente é o veto do presidente Jair Bolsonaro à distribuição de absorventes para a população de baixa renda. Um programa de baixo custo, que visa a fornecer oito absorventes por mês a 5,6 milhões de pessoas, a maioria adolescentes pobres e presidiárias, foi rejeitado com a desculpa de não indicar fonte de custeio – embora indicasse. O gasto anual do projeto, estimado em R$ 84,5 milhões, equivale a 1,7% do valor reservado para financiar campanhas com o fundo eleitoral deste ano. Enquanto o veto ao fundão foi derrubado, o da pobreza menstrual, até agora, está mantido. Para rejeitar um veto presidencial, basta maioria simples na Câmara e no Senado – ou seja, metade mais um nas duas Casas. Coincidência ou não, é praticamente a composição populacional das mulheres na sociedade brasileira, de 51,8%, segundo a Pnad Contínua do IBGE de 2019.