Num mundo repleto de tensões – reais e imaginárias –, o Brasil só tem a ganhar quando os arroubos verbais saem de cena, substituídos pelo realismo pragmático das relações comerciais e diplomáticas. A recente entrevista ao Estadão do comandante do Exército, general Tomás Paiva, é uma evidência cristalina dessa certeza. O general defendeu a ampliação de parcerias estratégicas com a China e outros países do Brics, grupo que reúne também nações como Rússia, Índia, África do Sul e, mais recentemente, Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes, Etiópia e Egito. Também destacou o foco da visita que fará aos chineses no próximo mês: capacidades militares e ciência e tecnologia. Os chineses, ele lembrou, estão avançados na defesa cibernética e na base industrial de sistemas de armas – avanços que permitem a um país proteger sua soberania com mais tecnologia e com menos efetivo. Mas Tomás Paiva não precisou seguir a cartilha do presidente Lula da Silva e fazer apologia do tal “Sul Global” nem inscrever o Brasil na vanguarda da luta contra os valores ocidentais, muito menos demonstrar hostilidade aos Estados Unidos e alinhamento a tudo o que lhe é antagônico.
O comandante do Exército fez o que se espera de chefes de instituições de Estado: a observância dos interesses estratégicos do País, sem sectarismo ou politização indevida. Segundo o próprio general, o Ministério das Relações Exteriores tinha interesse na aproximação do Exército com os países do Brics. Seu roteiro do mês que vem, contudo, não envolverá a Rússia. Como deixou claro, não visitará os russos por causa do conflito com a Ucrânia, outro ponto de distância que manteve em relação aos arquitetos da política externa lulopetista. Melhor assim. Na entrevista, demonstrou estar alinhado com o que há de mais qualificado nos quadros técnicos da diplomacia brasileira – hoje, infelizmente, tisnada pela guerra imaginária que Lula parece travar, tendo como companheiros de armas notórias ditaduras, como a própria China, a Rússia, o Irã e a Venezuela. Mas, diferentemente de Lula, o general opta pelo pragmatismo em nome da cooperação militar.
Essa distinção se faz necessária por uma razão: na nova ordem global, características distintivas do Ocidente – democracia, economia de mercado e globalização – têm sido confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional acima de todas as coisas, à custa de liberdades individuais, direitos humanos e valores universais. Esses valores costumam ser apresentados por essa turma como armas retóricas das democracias liberais para prolongar sua supremacia. Nesse ambiente turvo, o grande risco é o Brasil imiscuir-se numa espécie de aggiornamento do “Terceiro Mundo” dos tempos da guerra fria, em nome da ambição de Lula de credenciar-se como um líder político global do “Sul Global”, em vez de o País colocar a serviço dos seus interesses suas vantagens comparativas, com sutileza e credibilidade, como sugere a tradição diplomática brasileira.
Nossos vizinhos latino-americanos assim costumam definir a ação diplomática brasileira: Itamaraty no improvisa. É uma ideia-força que sintetiza a percepção de que o Itamaraty soube manter a continuidade da política externa e renová-la com o passar do tempo. Com Lula da Silva e Jair Bolsonaro, contudo, interesses nacionais se fundiram com interesses políticos e interferências ideológicas e partidárias. Como o próprio general Tomás Paiva mostrou na entrevista ao Estadão, há um longo caminho de aprendizado e benefícios com o conhecimento chinês em matéria militar. Tal lição serve para outras áreas: o Brasil está atrasado nos avanços científicos e tecnológicos e precisa recuperar o tempo perdido para entrar na corrida da pesquisa e do desenvolvimento na inovação, no 5G e na inteligência artificial – para citar alguns poucos e complexos exemplos. Um campo minado no qual só se prospera com pragmatismo, conhecimento, equilíbrio e equidistância, não com ideologia e confrontação.