O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) é centro de excelência de produção de dados econométricos e de pesquisas em macroeconomia. As opiniões de seus quadros são, assim, um importante termômetro para medir as expectativas em relação ao futuro da economia. No último seminário sobre a Conjuntura Econômica do Ibre, realizado em parceria com o Estadão com a participação dos pesquisadores José Julio Senna, Silvia Matos e Armando Castelar, prevaleceu não o pessimismo, nem tampouco o otimismo, mas um estado de suspensão – porém, com uma conotação mais de apreensão do que de esperança.
O cenário internacional é ambivalente. Por um lado, há ventos favoráveis ao Brasil, em especial pela alta das commodities e a reabertura da China. Por outro, está claro que as pressões inflacionárias seguirão em escala global, levando o Fed, o banco central (BC) americano, a alertar para apertos na política monetária.
Didaticamente, J.J. Senna listou seis itens que resumem as dificuldades do BC brasileiro: os juros reais estão altos; a expectativa de inflação é alta; as projeções apontam uma inflação em “U”, ou seja, cai, depois sobe; a inflação projetada está acima da meta; os juros nos EUA estão subindo; e, mais importante, o ajuste fiscal, até agora, é só uma promessa.
O governo oscila entre propagandear perspectivas otimistas sobre o crescimento e conjurar de antemão bodes expiatórios para justificar seu possível fracasso, como a política de juros do BC, mas pouco tem feito para gerar expectativas de superávit fiscal sustentável que facilitariam a queda dos juros.
Até agora, o que se tem de certeza é o aumento dos gastos calcado no discurso da “herança maldita”. Mas a “licença” para gastar R$ 200 bilhões via PEC da Transição foi muito além da mera recomposição da verba para programas sociais e elevou a projeção do déficit primário para R$ 231 bilhões. Depois, acenou-se a novas despesas, como o aumento do salário mínimo, combinadas a isenções na tabela do Imposto de Renda. Não que essas medidas não sejam defensáveis. O problema é que, em relação às medidas consequentes para neutralizar seus impactos nas contas públicas, só há projeções irrealistas sobre o aumento de receitas e um mar de incertezas sobre a reforma tributária e, mais urgente, o arcabouço fiscal.
“Nada substitui um ajuste fiscal robusto e no fundo isso significa levar ao extremo o raciocínio original do ministro da Fazenda (Fernando Haddad), a coordenação da política fiscal e da monetária”, disse J.J. Senna. “Evidentemente, o ajuste que precisa ser feito é do lado da política fiscal.”
Esse ajuste logo de início permitiria virar a página da inflação, possibilitando ao governo planejar suas políticas com juros mais baixos. De imediato, esse remédio amargo imporia freios aos estímulos estatais ao crescimento e é esse o ônus que o governo quer evitar. Mas a hesitação só tem prolongado as incertezas, gerando comportamentos erráticos e contraditórios. Por um lado, por exemplo, o governo aprovou a reoneração dos combustíveis. Por outro, a título de compensação, tributou as exportações do petróleo. Mas isso desestimula investidores e traz insegurança jurídica para o setor. Ou seja, em termos de crescimento, os ganhos imediatos hoje custarão o dobro amanhã. Como afirmou Castelar, “na ausência de alguma coisa que segure o gasto, o governo está tentando aumentar a arrecadação tributária”. Mas, com isso, as expectativas de inflação seguem subindo. Se a pressão política sobre o BC levar a um afrouxamento precoce da política monetária, essas expectativas subirão ainda mais. Depois de mais um voo de galinha, isso poderia pôr o País na rota da estagflação em 2024.
O resumo do seminário Estadão/FGV é simples: não há atalhos, não há mágica. O governo pode bater o quanto quiser no BC, pode lançar mão dos eufemismos que quiser para evitar a temível palavra “teto”. Mas sem uma fórmula transparente, clara e inequívoca para o controle dos gastos públicos, as pressões inflacionárias não cederão no grito e os juros seguirão altos.