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Quando a foto é boa, mas o filme é ruim

Fazenda se queixa do tom das críticas à política fiscal, mas não se pode condenar quem esteja reticente quando, em meio à necessidade de congelamento de despesas, governo libera recursos

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Por Notas & Informações
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A equipe econômica está incomodada com o tom das críticas sobre a política fiscal do governo Lula da Silva. O secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse ver certa irracionalidade nessas análises que, para ele, ignoram a realidade, dado que a meta, segundo ele, será cumprida sem qualquer tipo de criatividade ou artifício. “O fato é que o fiscal se recuperou e tem superado as expectativas”, afirmou, em entrevista sobre o relatório de receitas e despesas do quarto bimestre deste ano.

Parte das respostas que o governo busca, casualmente, está no próprio relatório. Na sexta-feira, todos esperavam que houvesse contenção adicional de despesas, uma vez que os gastos obrigatórios têm crescido em ritmo mais forte do que o esperado e as receitas não têm correspondido às expectativas do Executivo.

O governo até bloqueou R$ 2,1 bilhões, mas, de maneira surpreendente, reverteu o contingenciamento de R$ 3,8 bilhões anunciado em julho e, na prática, conseguiu liberar R$ 1,7 bilhão em gastos. Assim, o esforço para o congelamento de despesas caiu de R$ 15 bilhões para R$ 13,3 bilhões entre o terceiro e o quarto bimestres.

Na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reclamou da reação intempestiva do mercado e pediu que os analistas aguardassem as explicações sobre o relatório na semana seguinte. Mas a entrevista, como esperado, não trouxe um quadro diferente do que se desenhava.

Para começar, ficou ainda mais claro que o governo mira no piso da meta fiscal, o que já é bastante controverso por si só, já que as bandas superior e inferior da meta fiscal servem para acomodar imprevistos. Embora a meta seja de déficit zero, o limite inferior é de R$ 28,8 bilhões.

O Executivo diz que entregará um déficit de R$ 28,3 bilhões. Mas o governo ainda poderá excluir, do cálculo da meta, R$ 40,5 bilhões em despesas para o enfrentamento das enchentes no Rio Grande do Sul, para o combate a queimadas em boa parte do País e para o pagamento de valores retroativos ao Judiciário e ao Ministério Público.

Se esses gastos fossem contabilizados, o governo teria de congelar outras despesas de mesmo valor. Como não serão, isso significa que poderá registrar um déficit de até R$ 68,8 bilhões e ainda assim dizer que a meta de déficit zero foi cumprida. Somente essa longa explicação já seria motivo suficiente para despertar a desconfiança de analistas sobre a meta. Mas ainda há mais razões para manter reticência.

O governo atendeu à recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) e reduziu de R$ 37,7 bilhões para R$ 847 milhões a expectativa de arrecadação com a retomada do voto de qualidade nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Era o mínimo, já que a arrecadação efetiva até julho foi de apenas R$ 83,35 milhões, segundo a Corte de Contas.

Tais perdas, no entanto, serão compensadas por receitas extraordinárias, como o pagamento de dividendos por empresas estatais, e pela expectativa de empoçamento do Orçamento. Ou seja, o governo conta com a “bondade” das empresas públicas e com a ineficiência do gasto público para cumprir a meta.

Esse “otimismo” do lado das receitas se contrapõe à dura realidade do lado das despesas. A projeção de economia com a revisão de gastos previdenciários, cuja aposta inicial era de até R$ 10 bilhões, foi reduzida para R$ 9 bilhões e, agora, para R$ 6,8 bilhões.

O vice-presidente Geraldo Alckmin é outro integrante do governo que não compreendeu a reação do mercado. Para ele, houve apenas um “pequeno descontingenciamento” motivado pelo crescimento da arrecadação e do Produto Interno Bruto (PIB), sem ameaçar o arcabouço fiscal.

O que o governo não parece entender é que cumprir a meta fiscal requer medidas duras e estruturais, muito diferentes das que têm sido adotadas. De nada adianta alardear ter cumprido o objetivo se a dívida bruta continuar a avançar na proporção do PIB, dado que a necessidade de estabilizar a trajetória do endividamento foi a razão pela qual a meta fiscal foi criada. Nesse caso, uma boa fotografia não salva um filme ruim.