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Receita de um liberticida

Questionado sobre sua viagem para enxovalhar o Brasil no exterior, deputado bolsonarista prefere o deboche

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Por Notas & Informações
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Com bastante tempo ocioso em Brasília e dinheiro dos contribuintes à disposição, uma comitiva de parlamentares bolsonaristas viajou a Washington, no início de maio, para difamar o Brasil na capital dos Estados Unidos. Durante uma audiência na Câmara dos Representantes daquele país, entre a gravação de um vídeo e outro para as redes sociais, o grupo alardeou que aqui haveria “perseguição” e “censura” contra opositores do governo Lula da Silva sob o tacão de uma assim chamada “ditadura do Judiciário”.

Tudo isso é mentira, claro, como este jornal já sublinhou há cerca de um mês (ver editorial Não, o Brasil não está sob uma ditadura, de 23/4/2024). Mas a verdade factual é irrelevante para o bolsonarismo – movimento que, entre outras trapaças retóricas, vive de abastardar o conceito de liberdade de expressão para levar a cabo uma campanha de desinformação e desqualificação de adversários políticos e instituições democráticas, particularmente o Supremo Tribunal Federal (STF).

Dos nove parlamentares que embarcaram nessa excursão infame – os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Nikolas Ferreira (PL-MG), Gustavo Gayer (PL-GO), Marcos Pollon (PL-MS), Filipe Barros (PL-PR), Cabo Gilberto Silva (PL-PB) e Rodrigo Valadares (União-SE), além do senador Eduardo Girão (Novo-CE) –, ao menos cinco, até o momento, pediram ressarcimento das despesas de viagem, como revelou o Estadão. Entre passagens aéreas e diárias para os que alegaram cumprir “missão oficial” no exterior, a Câmara já desembolsou quase R$ 53 mil.

Questionados pela reportagem sobre a natureza dos gastos realizados às expensas dos contribuintes – ou seja, nada mais do que a imprensa profissional fazendo o seu trabalho –, nenhum dos parlamentares se dignou a responder, numa inequívoca demonstração de descaso com a sociedade. Só Gustavo Gayer se manifestou: à guisa de “resposta” a este jornal, o deputado goiano enviou uma receita de bolo. Segundo consta, o sr. Gayer é useiro e vezeiro em debochar de jornalistas quando instado a prestar contas do mandato.

Durante um dos períodos mais violentos da ditadura militar, em 1973, tanto o Estadão como o Jornal da Tarde (JT) foram impedidos de publicar aquilo que o regime preferia manter ao abrigo do escrutínio público. Como forma de protesto contra a censura – esta, sim, real e violenta –, o Estadão passou a publicar poemas no espaço reservado aos textos censurados pelos militares e o JT, receitas culinárias. Foi a isso que o sr. Gayer aludiu com sua infame resposta a este jornal, bem ao gosto do cinismo bolsonarista.

Agindo dessa forma indigna, o sr. Gayer se engana se acredita estar ridicularizando a história de resistência do Grupo Estado. E nem teria como fazê-lo, pois oito anos antes de ele nascer os jornalistas desta casa já lutavam contra as barreiras à liberdade de imprensa impostas por uma ditadura que ele nem conheceu e pela qual nutre escancarada simpatia.

O sr. Gayer, a bem da verdade, debocha mesmo é do Congresso Nacional. E debocha mesmo, e principalmente, é dos eleitores goianos que o honraram com um mandato parlamentar.