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Reforma tributária acaciana

Brasil pode ter um IVA de 28%, o maior do mundo, pois, como diria Conselheiro Acácio, as consequências vêm sempre depois: à esquerda e à direita, todos trabalharam duro para isso

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Por Notas & Informações
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O Ministério da Fazenda reconheceu que as mudanças aprovadas pela Câmara no texto da reforma tributária elevaram a alíquota de referência do imposto que incidirá sobre bens e serviços de 26,5% para 28%. A elevação não surpreende – afinal, como diria o Conselheiro Acácio, as consequências vêm sempre depois –, mas aumenta a responsabilidade do Senado ao apreciar o projeto de lei.

Já se sabia, desde o início da tramitação da reforma, que cada benefício ou regime especial incluído no texto acabaria por pressionar o imposto para cima. Afinal, pelo sistema proposto, as alíquotas do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – dividido em Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), da União, e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de Estados e municípios – seriam calibradas para repor, de maneira exata, a perda da arrecadação de cada pretensa bondade.

Os deputados, no entanto, optaram por ignorar a matemática e os alertas do Ministério da Fazenda para atender aos interesses de grupos econômicos em detrimento do contribuinte. Eles acataram ao menos dez mudanças, e a de maior impacto, como já se sabia, era a inclusão das carnes entre os itens da cesta básica que terão isenção de impostos.

As proteínas de origem animal, sozinhas, elevaram o imposto em 0,56 ponto porcentual (p.p.). A inclusão de queijos de todo tipo contribuiu com outro 0,13 p.p., e as alíquotas favorecidas para sal, farinhas, aveia, óleos de milho e babaçu, além de plantas e flores, adicionaram outro 0,10 p.p.

Todo o esforço feito pela equipe econômica em defesa de um modelo mais justo e que devolvesse os impostos somente às famílias mais vulneráveis e cadastradas em programas sociais do governo foi em vão. Venceu o populismo suprapartidário e supraideológico, vertente capaz de unir direita e esquerda, de Jair Bolsonaro a Lula da Silva, em defesa do lobby da indústria alimentícia, do agronegócio e dos supermercados.

A Câmara também reduziu o teto da alíquota do Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”, de 1% para 0,25%. Para não dizer que os parlamentares somente trabalharam para aumentar a alíquota padrão, a Fazenda destaca a inclusão das bets e do carvão mineral entre os setores que terão incidência do Imposto Seletivo.

Como não foram poucas as benesses aprovadas pelos deputados, a Câmara conseguiu um feito inédito: inviabilizou o teto que ela mesma havia estabelecido para a alíquota padrão do IVA antes que o dispositivo entrasse em vigor.

A oposição rapidamente acusou o governo de ter colocado o Brasil no primeiro lugar entre os países com a maior alíquota de IVA. Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o ranking hoje é liderado pela Hungria, que tem uma taxação de 27%.

Um deles foi o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que, de maneira convenientemente oportunista, ignorou que seu pai foi um dos maiores defensores da inclusão das carnes na cesta básica e que a proposta recebeu o voto de seu irmão, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Mas o senador Flávio Bolsonaro, a exemplo de seus 80 colegas na Casa, terá a oportunidade de se redimir com a chegada do texto ao Senado. Provavelmente não o fará, pois o relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), embora contrariado, disse ao Estadão não haver viabilidade política – leia-se votos – para rever a isenção das carnes.

A liderança no ranking dos maiores IVAs, de fato, não é algo positivo para o Brasil, mas tampouco deveria ser recebida com surpresa. Não é de hoje que o País tem uma das maiores cargas tributárias sobre o consumo, e basta uma consulta ao Reformômetro do Estadão para ter a certeza de que o País provavelmente já deveria ter conquistado essa posição antes.

Entre as principais vantagens da reforma tributária além do fim do manicômio tributário, estão os ganhos de transparência do novo sistema. O consumidor não apenas saberá exatamente quanto pagará sobre cada item que adquirir, mas também quem contribuiu para elevar a alíquota padrão sobre bens e serviços.

No caso da Câmara, pode-se dizer que foi uma escolha coletiva, que contou com o apoio de praticamente todos os partidos, com raríssimas exceções. O Senado ainda pode optar por outro caminho.