Os desenvolvimentistas têm uma nova musa. Ao lançar sua “Nova Indústria Brasil”, o governo de Lula da Silva destacou o trabalho da economista italiana Mariana Mazzucato como fonte de inspiração. “Musa” é um pouco mais que metáfora. Segundo a própria Mazzucato, seu livro seminal, O Estado Empreendedor, é uma “batalha discursiva”. A escassez de dados é tão notória quanto seu diagrama mostrando que tudo o que há de importante no iPhone foi uma dádiva dos governos. Seu talento é contar histórias mostrando o sucesso do envolvimento do Estado em grandes inovações.
O senso comum liberal é que a iniciativa privada cria as inovações e o crescimento que financiam o setor público, mas para Mazzucato é o contrário: através de missões “ousadas e inspiradas”, políticos carismáticos e burocratas visionários apontam o caminho para resolver grandes problemas e financiam as tecnologias que, depois, são empregadas pelas empresas privadas para comercializar produtos lucrativos.
A crise financeira de 2008, as tensões geopolíticas, o crescimento da China e a pandemia parecem justificar essa narrativa. Políticas industriais e protecionistas se popularizam entre estatistas à esquerda e nacionalistas à direita como condição para criar empregos, dominar mercados e vencer rivalidades geopolíticas.
No entanto, essa epopeia do Estado empreendedor é obviamente uma falácia. As evidências de Mazzucato são exageradas e anedóticas. Os casos de sucesso são selecionados a dedo, negligenciando a proporção muito maior de fracassos.
Enquanto o anarcocapitalista Javier Milei, presidente argentino, exagera ao dizer que não existem “falhas de mercado”, Mazzucato peca pelo excesso oposto, como se não houvesse “falhas de Estado”. “Não são levados em conta problemas de economia política e dificuldades no processo de escolha pública que resultam em problemas como corrupção, captura das políticas públicas, resistência a mudanças e ineficiência decisória”, resumiu Marcos Mendes numa crítica a O Estado Empreendedor publicada no site do Insper. “Tampouco se considera a importância da capacidade de governança pública, e o fato de que mais de 90% da população vive em países com governos de baixa capacidade técnica e operacional.”
O problema de fundo é uma visão ingênua de como funciona a inovação. “Grandes rupturas nunca vêm de planos de governo ou gênios solitários, mas da efervescência de ecossistemas intelectuais com a constante fertilização cruzada entre diferentes disciplinas e atividades”, notou o economista Johan Norberg, ao sumariar a história da tecnologia traçada por Matt Ridley no livro Como surgem as inovações. “Elas se sustentam em uma complexa rede de colaborações, surpresas, inspiração e improvisação.”
O “milagre econômico” chinês poderia contradizer essas ideias. Mas o crescimento dos anos 1980 aos anos 2000 começou precisamente com a liberalização quase acidental em pequenas comunidades rurais, depois abraçada por Deng Xiaoping para o comércio e a indústria e impulsionada por uma forte urbanização e investimentos em educação. Na última década, porém, o medo de Xi Jinping de que a liberalização econômica incite a liberalização política tem motivado intervenções agressivas que estão exaurindo essas condições.
Há muitas iniciativas do Estado brasileiro que estimulariam as condições de inovação e crescimento, como mais segurança jurídica, burocracia eficiente, infraestrutura e, sobretudo, educação e pesquisa. O País nunca teve uma “política agrícola” com “missões” grandiloquentes como as das inúmeras “políticas industriais” que resultaram em voos de galinha e deixaram um rastro de corrupção, ineficiência, dívida e inflação. Mas o investimento estatal nas pesquisas da Embrapa foram cruciais para o espetacular crescimento do agro.
Uma política industrial realmente nova buscaria assimilar essas lições e remover as barreiras que tornam o ambiente de negócios do Brasil um dos mais inóspitos do mundo. Mas, tal como está, a “Nova Indústria Brasil”, por mais sedutor que seja o canto da sereia de Mazzucato, é só remendo novo em roupa velha.