Assim que Lula da Silva, seu marido, ganhou a eleição presidencial em 2022, Rosângela da Silva, a “Janja”, declarou que pretendia “ressignificar o conteúdo do que é ser uma primeira-dama”. No dialeto afetado dos cursos de Humanas, “ressignificar” costuma significar um cavalo de pau hermenêutico para fazer terra arrasada da tradição. E a socióloga Janja está cumprindo o que prometeu: primeiras-damas, em geral, passam quase despercebidas, graças à discrição que normalmente as caracteriza; já a mulher de Lula decidiu que ser primeira-dama é causar confusão, intrometer-se em questões de Estado e xingar desafetos estrangeiros.
O último episódio da “ressignificação” da função de primeira-dama ocorreu há alguns dias, quando Janja, em plena reunião do G-20, achou que era o caso de fazer uma declaração ofendendo gratuitamente o empresário Elon Musk, que em breve ocupará cargo relevante no gabinete do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Janja ainda teve o cuidado de ofender em inglês, língua de Musk. Obrigou um constrangido Lula a vir a público dizer que “não temos que xingar ninguém”. Isso deveria ser óbvio, mas a “ressignificação” está aí para desmoralizar o óbvio.
Para sorte do Brasil, a primeira-dama desbocada não provocou danos ao País, somente a si mesma. Sua má-criação se tornou apenas uma constrangedora nota de rodapé num evento em que a diplomacia brasileira se saiu bastante bem, consideradas as circunstâncias. Do episódio, ficou apenas o receio de que a sra. Lula da Silva ainda pode causar muitos problemas ao marido e ao Brasil nos dois anos que restam de mandato, já que, ao que tudo indica, ela está convencida de que seu papel é criar problemas.
Prova disso é a desenvoltura com que Janja se intromete em diversas questões que não lhe dizem respeito, como a taxação de produtos chineses importados, faz cobranças públicas a ministros, como no caso do titular de Portos e Aeroportos, que levou um pito dela depois que um cachorro morreu num voo, e interfere nas mensagens e campanhas da Secretaria de Comunicação da Presidência. É comum vê-la em reuniões ministeriais e consta em Brasília que nenhum ministro se considera a salvo de sua influência. Em suas próprias palavras, Janja, em termos de hierarquia, se considera em pé de igualdade com Lula. Esquece-se a primeira-dama que foi Lula, e não ela, quem teve mais de 50 milhões de votos, e que, se não fosse mulher de Lula, ela seria apenas uma entre milhões de pessoas desconhecidas que se dedicam a falar bobagens inconsequentes nas redes sociais.
Por fim, na ânsia de se mostrar uma mulher independente, Janja na verdade acaba desmoralizando a luta das mulheres por respeito e dignidade. Xingar desafetos e imiscuir-se em assuntos de governo sem ter cargo ou mandato para tal são atitudes de quem não entendeu que seu poder, se existe, não deriva da presunção de que, por ser mulher do chefe, pode tudo.