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Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, consultor econômico e de ensino superior, Roberto Macedo escreve na primeira e na terceira quinta-feira do mês na seção Espaço Aberto

Opinião | Lula e os muitos e complexos problemas de sua gestão

Ele precisa ampliar seu apoio político ao centro, e tratar os problemas com uma visão mais analítica que a de seu discurso eleitoral.

Por Roberto Macedo

Há tempos Lula sentiu a necessidade de ampliar sua sustentação política além da advinda de grupos que tradicionalmente o apoiam, como sindicalistas e petistas históricos, mais à esquerda, com seus líderes ávidos pelo poder e suas benesses.

Esse apoio tradicional também explica, em parte, por que enquanto candidato Lula não apresentou uma visão detalhada de seu plano de governo, em razão de seu receio de desagradar esses grupos. Mas, de agora em diante, a realidade vai se impor. Politicamente, Lula já buscou ajuda mais ao centro, como ao escolher Geraldo Alckmin como vice-presidente. E teve apoios importantes como o de Simone Tebet e também o de muitos brasileiros que se arrependeram do seu voto em Jair Bolsonaro em 2018, vendo agora no petista um risco menor do que o associado ao atual presidente.

Lula terá de mostrar serviço, diante da dura realidade econômica e social. Para tanto, será fundamental que prossiga este movimento mais ao centro, pois ele é indispensável para contar também com quadros políticos e administrativos mais experientes em lidar com os muitos problemas a enfrentar. E será preciso que isso seja feito prestigiando o entendimento desses problemas em suas múltiplas dimensões, o que, numa linguagem mais acadêmica, significa buscar apoio em análises científicas, e não em visões baseadas em crenças preconcebidas.

Nessa linha, apresentarei exemplos dessa complexidade, começando pela promessa lulista de reajustar o valor nominal do salário mínimo a uma taxa superior à da inflação passada. A visão usual dos políticos é de que isso beneficiaria grupos sociais remunerados por esse valor. Mas ignora-se que, entre empregadores, um valor maior, com mais encargos sociais, pode revelar-se superior ao que o trabalhador geraria para seu contratante, com o que este poderá reduzir admissões e até fazer demissões, aumentando a informalidade contratual.

Outro aspecto é que a economia brasileira é enorme e diversificada, havendo regiões com mais ou menos setores produtivos capazes de suportar o ônus de um valor maior do mínimo. Por essa razão, em 2000 foram criados os pisos salariais estaduais, fixados pelos respectivos governos, com valores acima do mínimo nacional, mas tais pisos existem apenas em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O governo federal deveria estimular outros Estados a fixar seus pisos, conforme suas realidades, passando-lhes parte dessa questão do salário mínimo.

O mínimo também atua como piso de aposentadorias e pensões. E seus reajustes trazem grande impacto nas contas públicas federais, pois cerca de 20 milhões de beneficiários do INSS o recebem. Há beneficiários que continuam a trabalhar e outros que também têm rendas de outras fontes, então, se for para aumentar, seria recomendável que alcançasse apenas os que o têm como única fonte de ganhos. Ignoro se o governo tem cadastros de renda e benefícios sociais que possam esclarecer essa questão. Sei que esses cadastros estão desatualizados e têm falhas de informação. Há que arrumá-los antes de avançar nos auxílios sociais.

O que esteve em discussão na eleição foi o valor nominal anual do mínimo. A propósito, fiz uma breve análise do valor real do salário mínimo mensal corrigido pelo INPC entre setembro de 2020 e agosto de 2022. Concluí que, com o aumento da inflação, o valor médio real dele entre os primeiros e os últimos 12 meses desse período caiu 2,2%. Ou seja, se a inflação for contida, haverá um ganho. Se não, uma perda.

Um segundo tema é que logo de imediato o governo terá de cuidar do impacto da má herança fiscal do governo Bolsonaro, com seus gastos eleitorais, e do efeito de promessas lulistas. Se daí vier mais inflação, vale lembrar que o Banco Central é independente e poderá responder mantendo a Selic em seu alto valor atual de 13,75% ao ano, ou mesmo aumentando-a, prejudicando o crescimento econômico.

Os problemas fiscais e seu impacto nos preços, juros e na dívida governamental são antigos e crônicos, e o foco dos políticos é usualmente o de criar mais gastos e financiá-los precariamente, sem maiores preocupações também com a equidade social. É preciso focar, ainda, na redução dos gastos e nessa equidade, e sobre isso foi concluído em 2017 um amplo estudo do Banco Mundial intitulado Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Sua conclusão mais importante é: “(...) com base numa análise aprofundada de políticas setoriais, este estudo identifica pelo menos 7% do PIB em potenciais economias fiscais em nível federal até 2026”. Teve dezenas de autores e consultores estrangeiros e nacionais, e seria um bom começo para uma revisão geral das finanças públicas brasileiras.

Como se percebe, os problemas são muito mais complexos do que o imaginado pelos políticos com suas promessas. Mas, se não forem enfrentados levando seriamente em conta sua natureza e suas consequências, o País e sua população menos favorecida sofrerão as consequências.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR 

Opinião por Roberto Macedo
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