Recebo frequentemente do Fundo Monetário Internacional (FMI) seus working papers que oferecem à discussão estudos de membros de seu staff, artigos esses que poderão ser publicados eventualmente em revistas acadêmicas após essa discussão. Um dos últimos, de número WP/24/159, escrito por Rafael Machado Parente, veio em julho e me atraiu interesse em face de seu título, Minimum wages, inequality, and the informal sector, e também pelo fato de que versa sobre o Brasil, onde os três aspectos de seu título estão presentes. O estudo é longo, de 84 páginas, e vem com esta advertência (tradução minha): “As opiniões expressas nos working papers do FMI são as do(s) autor(es) e não representam necessariamente as opiniões do FMI, de seu Board Executivo, ou de sua gerência”. O texto pode ser acessado em https://bit.ly/4gqoGNv. A versão em PDF pode ser baixada gratuitamente, mas quem quiser a versão impressa deverá pagar US$ 20.
Quanto às várias conclusões do estudo, vou transcrever as do próprio autor (tradução minha): “Há uma extensa literatura sugerindo que salários mínimos são uma importante ferramenta para reduzir disparidades de rendimentos. Neste artigo, examino como esse efeito é moldado pela presença do mercado informal de trabalho. Encontro que, no contexto brasileiro, o aumento do salário mínimo nos anos 2000 na verdade aumentou a desigualdade como um todo, destacando as consequências não desejadas do salário mínimo. Isto é, políticas que buscam reduzir desigualdade podem terminar aumentando-a devido às fortes margens de ajustamento informais.
“Alcanço esta conclusão em três passos. Meu trabalho empírico produz evidência em forma reduzida de que os aumentos do salário mínimo aumentam a desigualdade no mercado informal, e que isso anula os efeitos da redução de desigualdade no mercado formal. Então desenho um modelo teórico e derivo fortes resultados analíticos mostrando que há escopo para salários mínimos mais altos aumentarem a desigualdade dos rendimentos como um todo. No último passo, construo um arcabouço quantitativo para estudar o papel de mudanças no salário mínimo, a obrigatoriedade formal, a composição das habilidades e a mudança técnica baseada em habilidades na economia brasileira. Mostro que o aumento do salário mínimo, embora responsável por uma forte redução da desigualdade no mercado formal, também é responsável por um aumento de 6,4% na desigualdade agregada, devido à forte margem de ajustamento informal.
“Este artigo abre importantes caminhos para pesquisa adicional. Primeiro, ele provê uma ferramenta para caminhar na discussão sobre salários mínimos federais em países onde os mercados de trabalho diferem substancialmente em níveis de informalidade. Segundo, como arranjos trabalhistas alternativos têm lugar nos países desenvolvidos (...), a questão de como acessar os efeitos do salário mínimo quando os agentes podem contratar fora da legislação laboral se torna um assunto de primeira grandeza. Tudo considerado, minhas conclusões sugerem que movimentos dentro e fora do mercado informal de trabalho modulam os efeitos da legislação trabalhista em países em desenvolvimento”.
Eu não conhecia até então um estudo que alcançasse uma análise do impacto do salário mínimo no mercado informal de trabalho no Brasil, nem de sua agregação com o mercado formal. E sua conclusão mais importante, a de que aumentou a desigualdade nessa agregação, coloca em xeque os benefícios alardeados pelo governo federal quanto à sua política de aumento do salário mínimo.
Entendo que dada a diversidade entre os mercados formal e informal dos Estados brasileiros o salário mínimo nacional deveria ser eliminado e todos os Estados deveriam ter seu mínimo obrigatoriamente. Alguns Estados já o têm, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, mas estão entre os mais ricos e podem adotar salários mínimos maiores que o nacional. Presumo que os Estados mais pobres tenham um mercado informal maior, e deveriam adotar um salário mínimo menor para evitar isso. Além do custo do salário mínimo em si é também preciso ponderar que ele vem acompanhado de férias, contribuições de Previdência e FGTS. Isso faz com que muitas empresas e famílias não tenham condições de pagá-lo. Vi a cópia de um documento de arrecadação do eSocial, relativa a itens incidentes sobre o pagamento do salário mínimo paulista, e constatei que alcançam 17,2% do total.
Para início da discussão aqui no Brasil, minha sugestão é que o governo deveria pedir ao Ipea, seu instituto de pesquisa econômica aplicada, uma revisão e atualização desse estudo de Rafael Machado Parente, pois seu texto é muito técnico. A partir da página 48 tem 11 apêndices (de A a J), tudo com muita matemática, inclusive integrais, e econometria. Não é nada fácil acompanhar essa parte.
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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
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