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Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, consultor econômico e de ensino superior, Roberto Macedo escreve na primeira e na terceira quinta-feira do mês na seção Espaço Aberto

Opinião | Na expectativa do novo arcabouço fiscal federal

Além da nova regra em si, há a questão de sua sustentação política no Congresso e a inapetência do governo por cortes abrangentes de gasto

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Até a conclusão deste artigo ontem, no início da tarde, o governo Lula ainda não havia divulgado este arcabouço que substituirá o teto de gastos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que já havia passado ao presidente Lula o documento deste arcabouço e aguardava manifestação dele sobre o assunto.

“(O novo arcabouço) deve ser votado em lei complementar (...) e levar em conta o limite de gastos, a curva da dívida, a evolução da dívida, e a questão do superávit. É uma combinação de vários fatores”, disse o vice-presidente Geraldo Alckmin à Agência Brasil na terça-feira à tarde.

A frase de Alckmin já mostra a complexidade do assunto, mas é muito mais do que isso. Recentemente, muitos analistas de fora do governo se manifestaram com suas sugestões. As últimas que vi vieram no jornal Valor Econômico em página quase inteira, na segunda-feira passada, com o título Ibre vê trajetória da dívida como possível âncora fiscal, num diagnóstico dos seus pesquisadores Manoel Pires, Bráulio Borges e Carolina Resende. Ibre é o Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas.

Impressionaram-me a quantidade e a complexidade dos temas que abordaram na sua discussão do arcabouço fiscal. Eis alguns deles, de forma resumida: “(1) haverá mudanças nas despesas com saúde e educação, que voltam a ficar atreladas à receita (e não à variação do IPCA, acrescento, como é pelo teto de gastos), e deverão crescer, pois essa receita vem crescendo mais que esse índice; (2) quanto maior a abrangência da regra, melhor o controle das contas públicas, porque são evitados subterfúgios e a ‘contabilidade criativa’; (3) a regra fiscal também deve permitir desvios para situações atípicas, como foi a pandemia, sem deixar de garantir a sustentabilidade de longo prazo; (4) é preciso, ainda, que a regra seja acompanhada por planejamento fiscal de médio e longo prazos, possibilitando o ganho de credibilidade no tempo; (5) toda legislação fiscal contida em lei complementar ou ordinária poderá ser modificada por lei complementar, mas as regras fiscais que não forem tratadas na emenda do novo arcabouço não poderão ser alteradas por esse tipo de lei”. E foi nesta linha de apontar as questões por definir que prosseguiu a esclarecedora reportagem.

E mais: há a questão política, porque tudo deverá passar pelo Congresso Nacional, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, já avisou que o governo Lula continua carente de uma sustentação política confiável no Legislativo. Exemplo disso foi que Lula deixou de demitir o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, pelos desmandos que este praticou – como ao dirigir verbas do orçamento secreto para a construção de uma estrada que atravessa fazenda da família e ao usar recursos públicos para comparecer a um leilão de cavalos. O receio presidencial foi de que o partido do ministro respondesse à demissão negando-lhe apoio no Congresso. A propósito, a Folha de S.Paulo de 14/3 publicou matéria intitulada Pacote de Haddad completa dois meses sob riscos no Congresso – pacote, diga-se, que foi apresentado com o objetivo de melhorar as contas públicas.

Há tempos acompanho a gestão das contas públicas, mas nunca tive notícia de um governo efetivamente empenhado no controle fiscal via cortes de despesas. Com um orçamento tão grande, é inimaginável que não haja espaço para isso. A única análise bem fundamentada que conheço nesta linha é um estudo do Banco Mundial concluído em 2017 e intitulado Um Ajuste Justo – Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil.

Encomendado pelo governo brasileiro, ele menciona extensa lista de envolvidos no trabalho, a equipe principal, outros especialistas do Banco Mundial e externos, inclusive brasileiros, e orientação e comentários também de funcionários de alto escalão do governo brasileiro. A conclusão, em resumo, é esta: “O principal achado (...) é que alguns programas governamentais beneficiam os ricos mais do que os pobres, além de não atingir de forma eficaz seus objetivos. Consequentemente, seria possível economizar parte do Orçamento sem prejudicar o acesso e a qualidade dos serviços públicos, beneficiando os estratos mais pobres da população”.

O leitor poderá encontrar esse documento digitando o título dele no site Google de buscas. Tem 160 páginas e um resumo de 10, ao final do qual vem uma tabela que condensa as propostas. Numa síntese das sínteses, é dito que o texto “(...) identifica pelo menos 7% do PIB em potenciais economias fiscais em nível federal até 2026″, o que é muito além de qualquer proposta já cogitada no Brasil, tendo assim espaço para não adotar todo o pacote.

Considerando a alta propensão a gastar do governo Lula, não acredito que o arcabouço fiscal a ser apresentado dará muita ênfase a corte de gastos e deve envolver até algum aumento deles e de impostos. Com isso, o Brasil permanecerá carente de um programa na linha do proposto pelo referido estudo do Banco Mundial. Assim, cabe indagar: quem vai encarar essa necessidade?

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Opinião por Roberto Macedo

Economista (UFMG, USP e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior

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