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Opinião | Bilhões em risco versus bons exemplos

Não há por que esperar, até o fim deste mandato presidencial, grandes mudanças na administração federal, na estrutura e na dimensão dos gastos da União

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O dinheirão previsto no Orçamento, com R$ 15 bilhões de superávit e R$ 50 bilhões em emendas, deverá ser usado, como sempre, de acordo com interesses políticos e pessoais de governantes, parlamentares federais e seus associados e até, vejam só, de uma parcela dos pagadores de impostos. Este último grupo, o mais numeroso, é em geral o menos influente nas decisões sobre a destinação das verbas. Isso comprova um fato histórico raramente lembrado. Entre o fim da era medieval e o começo da idade moderna, os parlamentos europeus ampliaram e consolidaram, contra o poder real, seu domínio sobre a formação e a gestão do dinheiro público. Mas o ingresso de participantes no jogo e no espetáculo foi muito desigual e assim permanece, como se vê na maior parte do mundo, incluído o Brasil.

O quadro brasileiro poderia ser alterado parcialmente, e de modo ainda muito limitado, com a aprovação da reforma desenhada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A proposta recém-apresentada ao Congresso divide os contribuintes em quatro faixas. A mais baixa, com rendimento mensal de até R$ 5 mil por pessoa, ficaria isenta. A segunda, com ganho entre R$ 5.001 e R$ 7 mil, continuaria sujeita às taxas atuais de tributação, mas com um crédito sobre o imposto a ser pago. A maior parte da terceira, com ingressos acima de R$ 7 mil, permaneceria na condição atual. A quarta, com entradas superiores a R$ 50 mil, pagaria de acordo com alíquotas crescentes até o limite de 10%.

Se aprovada integralmente, ou com mudanças mínimas, essa proposta poderá reduzir um pouco as enormes desigualdades ainda observadas no Brasil. As diferenças de renda entre as faixas econômicas diminuíram no último quarto de século. Permanecem, no entanto, mais acentuadas que na maior parte do mundo emergente e muito maiores que nos países desenvolvidos. O efeito distributivo da reforma recém-apresentada será limitado, mas a iniciativa pode ser o começo de reformas importantes.

Do lado fiscal, as políticas distributivas dependem tanto das formas de arrecadação quanto da orientação dos gastos e dos incentivos governamentais. Programas de apoio à educação, especialmente de estudantes de baixa renda, podem ser muito importantes para a multiplicação de oportunidades profissionais e para a formação e a modernização da força de trabalho.

Exemplo de iniciativas desse tipo, o Programa Pé-de-Meia precisaria neste ano, segundo estimativa recente, de cerca de R$ 13 bilhões para a cobertura de seus custos. A previsão orçamentária, no entanto, é de apenas R$ 1 bilhão. Recursos adicionais, segundo se informou no Congresso, vão depender da aprovação de créditos extraordinários. Quantas pessoas terão comparado, no Executivo e no Parlamento, a importância desse e de outros programas econômicos e sociais dependentes de dinheiro público?

Não basta esse tipo de comparação, no entanto, para desenhar uma política orçamentária mais eficiente para o crescimento e a modernização do País. Uma política desse tipo, baseada na valorização de cada centavo disponível, teria de incluir uma revisão severa dos custos do setor público, uma reordenação do dispêndio e, como condição indispensável, uma limpeza dos gastos, com mudanças no aparelho administrativo. Reformas desse tipo são política e tecnicamente complicadas e só podem ocorrer de vez em quando. Mas nenhum esforço desse tipo tem sido realizado há muito tempo.

Não há por que esperar, até o fim do atual mandato presidencial, grandes mudanças na administração federal, na estrutura e na dimensão dos gastos da União. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deixou clara sua resistência a qualquer esforço relevante de arrumação fiscal. Sua sinalização aponta para a continuação da gastança e da busca de melhora de suas condições eleitorais.

Isso ficou mais evidente depois de estatísticas indicarem uma deterioração de sua imagem. Essa deterioração tem sido explicada, ao menos em parte, pelo agravamento da inflação na virada do ano, especialmente no caso da cesta básica. Cesta básica mais cara afeta mais duramente a classe média baixa e as famílias de renda mais modesta, áreas tradicionais de suporte petista.

Diante do novo problema, o presidente e seus auxiliares conseguiram evitar o risco de uma intervenção desastrada no mercado. Em vez disso, facilitaram a importação de alguns alimentos, uma iniciativa de pouco efeito, mas sem os custos políticos e econômicos de intervenções do passado. Em segundo lugar, anunciaram um apoio financeiro especial à próxima safra, ainda em plantio no começo do ano. Poderiam ter feito mais, se dispusessem de estoques de segurança. Mas a formação e a manutenção de estoques desse tipo têm sido negligenciadas nos últimos dez anos, num abandono progressivo – e injustificável – de uma prática seguida durante décadas por governos de diferentes cores políticas.

As políticas agrícola e de abastecimento continuam fornecendo exemplos de bom uso de dinheiro público. Não chegam, no entanto, a contagiar amplamente outras áreas importantes da administração.

Opinião por Rolf Kuntz

Jornalista

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