Se gasto é vida, como proclamou a ex-presidente Dilma Rousseff, o setor público brasileiro exibe enorme vitalidade, com déficit primário de R$ 21,4 bilhões em agosto e de R$ 86,2 bilhões em oito meses, soma equivalente a 1,14% do Produto Interno Bruto (PIB). O resultado primário é calculado sem juros. Um ano antes, o déficit chegou a R$ 79 bilhões, 1,11% do PIB. Como o conjunto de Estados, municípios e estatais é superavitário, o poder central é o responsável pelo resultado negativo, atribuível basicamente ao déficit de R$ 239,6 bilhões do INSS. O superávit acumulado pelo governo federal – R$ 138,7 bilhões – ficou longe de compensar o rombo previdenciário e permitir o controle da dívida geral do setor público, R$ 8,98 trilhões, 78,5% do PIB.
Sem mudança mais ambiciosa e mais veloz do sistema previdenciário, um caminho socialmente custoso e complicado, resta a política orçamentária como solução para as contas públicas. Já se tem mexido na Previdência e novas alterações podem ser inevitáveis, mas como políticas de médio e de longo alcances. No curto prazo, o governo pode conter seu gasto, aumentar a receita ou combinar as duas linhas de ação. Para este ano, a meta fixada para o governo federal é déficit zero, mas com tolerância de até R$ 28,7 bilhões para cima ou para baixo.
O equilíbrio também é o cenário desenhado para 2025. Mas esse é o objetivo definido pelos ministros do Planejamento e da Fazenda, aparentemente aceito pelas presidências da Câmara e do Senado e sacramentado, até agora, pelo presidente da República. Mas é difícil prever se o apoio presidencial ao esforço de austeridade será mantido por tempo suficiente. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode apoiar – e já tem apoiado – políticas desse tipo. Mas ninguém pode negar, com firmeza, o risco de uma recaída nos velhos padrões petistas de valorização da gastança.
A gastança pode ocorrer pelo uso de recursos orçamentários, pelo endividamento e também pela concessão de facilidades fiscais, como isenção ou redução de tributos a grupos sociais ou conjuntos de atividades. Sempre se encontrarão argumentos, alguns muito respeitáveis, para justificar esses benefícios.
O governo pode estimular o crescimento econômico e o investimento por meio de uma gestão prudente e competente, com uso eficiente, bem programado e bem dirigido de recursos públicos, mas o petismo tem raramente seguido esse padrão. Não está claro se a atual administração está interessada em adotar esse estilo.
Uma política discreta e prudente, limitada pelo cuidado na condução das finanças públicas, poderia facilitar, entre outros ganhos, a redução dos juros, o aumento do crédito e a expansão do investimento produtivo. Isso possibilitaria um crescimento mais seguro e mais duradouro, num ambiente de maior previsibilidade. Não está claro, no entanto, se o presidente da República está disposto a tomar esse rumo.
No mercado, a mediana das projeções aponta juros básicos de 11,5% no fim do ano, com novo aperto, portanto, da política monetária. Para o fim de 2025 ainda se prevê uma taxa de 10,5%, também muito alta. A explicação é evidente. É difícil apostar numa política de juros mais branda e mais propícia ao crescimento quando a chefia de governo se mostra disposta a continuar gastando e pouco propensa a cuidar do equilíbrio das contas públicas. Se agir de outra forma, o Banco Central poderá perder credibilidade e os custos para a economia, nesse caso, serão muito mais altos.
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