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O jornalista Rolf Kuntz escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Trinta anos do real, uma celebração necessária

Um presidente mais preocupado com a dignidade de seu cargo tornaria mais fácil a comemoração do início da recuperação econômica do Brasil

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Terremoto na economia: o dólar sobe, o mercado se agita e o presidente Lula briga com o Banco Central num momento de inflação em alta e temor de um buraco maior nas contas públicas. As projeções hoje inquietantes – inflação próxima de 4% e rombo fiscal de 0,7% do PIB neste ano – seriam festejadas há 30 anos. Naquele momento, o governo implantava um novo plano para tentar, mais uma vez, conter os preços disparados e arrumar a bagunça nos mercados. Em 1993 o aumento do custo de vida havia batido em 2.477%. Era urgente deter a onda inflacionária. Mas um sucesso duradouro dependeria de uma reordenação financeira em todos os níveis da administração pública. A grande mudança, no entanto, havia começado. Um programa de ajuste e reconstrução seria implantado sem mágicas, sem grandes truques e sem tentativas de contornar a realidade. Uma economia renovada poderia surgir a partir de 1994.

Pela primeira vez, em muitos anos, a luta contra a inflação envolveria um plano de longo prazo, com mudanças em todos os níveis da administração pública. A Lei de Responsabilidade Fiscal, em vigor a partir do ano 2000, é um dos produtos desse esforço. Mas o produto mais importante, especialmente para as famílias assalariadas e também para as mais pobres, foi o retorno a um mundo de preços menos desordenados, mais previsíveis e menos massacrantes.

Há excelentes motivos para a celebração dos 30 anos do Plano Real. O trabalho iniciado pelo governo em 1993 e 1994 permitiu ao Brasil a superação de uma longa fase de insegurança. No País entregue ao primeiro governo petista, no começo deste século, a administração pública poderia funcionar com eficiência muito maior. Essa mudança valeria também para o Banco Central, com melhores condições para conduzir a política monetária e contribuir para a segurança e a previsibilidade econômicas.

O primeiro presidente petista, Luiz Inácio Lula da Silva, permitiu-se, no entanto, acusar o governo anterior de haver deixado uma herança maldita. Foi incapaz de reconhecer o enorme trabalho de recuperação econômica realizado na década anterior, mas obviamente se beneficiou desse esforço. O novo governante ainda teria de vencer as incertezas do mercado, resultantes, inegavelmente, de sua imaturidade e de tropeços políticos nunca superados – até hoje – de forma suficiente.

Mas seguiu o conselho de um companheiro, numa demonstração de bom senso, e convidou para a chefia do Banco Central uma figura respeitada no mundo financeiro, Henrique Meirelles, por vários anos ligado ao Banco de Boston. Em sua nova função, Meirelles teve sucesso no controle da inflação e contribuiu para a respeitabilidade da administração petista.

Para os negócios, a estabilização realizada no fim do século passado favoreceu a administração mais segura e com melhores condições de planejamento. Ao funcionamento mais eficiente do mercado interno somou-se a facilidade maior de programar e conduzir o comércio exterior. A política de câmbio implantada na passagem do século 20 para o 21 favoreceu a ação das empresas no mercado internacional e reforçou a segurança das contas externas.

As novas condições do balanço de pagamentos, beneficiadas pelas mudanças domésticas e pelo maior ingresso de capitais, consolidaram avanços acumulados a partir da segunda metade dos anos 1980. Neste século, o País atravessou sem grandes danos os piores momentos do mercado externo. Mas a economia brasileira ainda permaneceu muito fechada. Beneficiou-se menos do que seria possível das mudanças no mercado global, mas sem grandes abalos nas fases de maior insegurança.

Os brasileiros mais jovens desconhecem os dramas ocasionados por uma crise de balanço de pagamentos. Há mais de um quarto de século a balança comercial tem sido regularmente superavitária. Além disso, em todo esse período as contas externas e a atividade interna têm sido reforçadas pelo ingresso de bom volume de investimentos estrangeiros.

No ano passado entraram no País US$ 64 bilhões de investimento direto, volume superado somente pelo total destinado aos Estados Unidos, US$ 341 bilhões, segundo a Organização das Nações Unidas. No primeiro trimestre deste ano o ingresso no Brasil chegou a US$ 23,3 bilhões, de acordo com o Banco Central. Mas o fluxo acumulado em 12 meses diminuiu desde o ano passado, indicando, talvez, alguma insegurança do investidor estrangeiro.

Um governo prudente leva em conta, de modo geral, as percepções e avaliações desse investidor, uma figura sempre relevante para a estabilidade e a segurança da economia nacional. Apesar de muito empenhado na diplomacia e na busca de um papel internacional, o presidente Lula parece desconhecer, no entanto, os efeitos externos de seus destemperos e de seus ataques grosseiros ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Um presidente mais equilibrado, mais empenhado em administrar e mais preocupado com a dignidade de seu cargo tornaria mais fácil a comemoração dos 30 anos do Plano Real e do início da recuperação econômica do Brasil.

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Opinião por Rolf Kuntz

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