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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Centro de Lançamento de Alcântara

O Brasil poderá, enfim, valer-se da utilização efetiva do centro para desenvolver todo o potencial estratégico que o local mais apropriado no mundo para lançamentos espaciais pode oferecer

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Depois de mais de 20 anos do início da negociação, em 2019 o Brasil assinou com os EUA o acordo de salvaguarda tecnológica, que foi aprovado em novembro de 2022 pelo Congresso, viabilizando comercialmente o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Sua abertura para o mercado começou em 2020, quando a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Aeronáutica celebraram acordo para permitir sua utilização por entidades privadas.

No cenário internacional, coincidentemente, surgiu uma nova era no espaço, com forte participação do setor privado nas atividades espaciais. Com foco na criação e exploração de negócios, a iniciativa privada passou a lançar mão de diversos avanços tecnológicos (entre eles a miniaturização de componentes), da incorporação de produtos qualificados em outros segmentos (como os provindos do setor automotivo e de comunicações), de formas mais ágeis de produção, entre outros fatores que lhes conferem maior rapidez de desenvolvimento, menores custos e flexibilidade para compor arranjos de negócios.

O mercado registrou, assim, um crescimento exponencial do número de satélites de porte reduzido (pequenos, micro e nanossatélites). Com isso, cresceu a demanda por lançadores de satélites de pequeno porte – uma janela de oportunidades para o CLA, cuja agenda de lançamentos estava praticamente vazia por causa da falta de operador nacional. Ao final de 2022, das quatro empresas estrangeiras inicialmente qualificadas pela AEB para negociação com a Aeronáutica, duas já estavam com contratos assinados: a canadense C6 e a sul-coreana Innospace.

Antes mesmo de celebrar o contrato para exploração de atividades comerciais, a Innospace negociou uma cooperação em pesquisa e desenvolvimento com o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial e estabeleceu-se a Operação Astrolábio. Com ela, a Innospace obteve a oportunidade de testar em voo o motor a propulsão híbrida que, até então, só havia sido testado em solo. A Innospace desenvolveu um veículo de apenas um estágio, que levaria a bordo uma carga útil de interesse brasileiro. Essa carga útil foi o Sistema de Navegação Inercial (Sisnav), desenvolvido no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) com recursos providos pela AEB. Tal sistema aguardava, há anos, a oportunidade de voar e ser testado em condições reais de voo. Embora não se tratando de uma operação de lançamento de satélite, e sim de um voo suborbital, tinha o mérito de exercitar praticamente todo o conjunto de meios e procedimentos necessários a uma operação complexa de transporte espacial.

A Operação Astrolábio iniciou-se no quadrimestre final de 2022, envolvendo atividades novas no cenário brasileiro, tais como a logística de transporte multimodal e respectivos desembaraços alfandegários; a definição de critérios para estabelecimento de seguro contra acidentes; a logística de fornecimento de gases não disponíveis na região; o desenvolvimento de procedimentos do CLA adaptados à operação com entidade privada; entre outras.

Superadas dificuldades técnicas, no dia 19 de março de 2023 o veículo sul-coreano foi lançado. Esse lançamento – o de número 500 do CLA – marcou a história do centro, por ter sido o primeiro voo de testes com uma entidade privada, dentro do esforço de abertura do Espaçoporto de Alcântara para o mercado de transporte espacial. O Espaçoporto de Alcântara, além do lançamento de satélites, pode ser utilizado para outras atividades, entre as quais as de testes de motores e de outros subsistemas.

O CLA está tecnicamente capacitado a prover os meios de preparação, lançamento e rastreio. O conjunto de procedimentos logísticos e regulatórios brasileiros, elaborado na parceria da AEB com a Aeronáutica, provê as condições mínimas para a operação com entidades privadas.

Existem, porém, alguns desafios a serem superados, como a definição de uma entidade que possa realizar, de forma continuada e com capacidade de reinvestimento, a promoção comercial e a condução dos serviços de apoio às atividades espaciais, em cooperação com a Aeronáutica (por exemplo, uma empresa pública ou com participação pública de forma a ter direitos estratégicos). Além disso, será necessário concluir instalações básicas do CLA para permitir a plenitude de sua operação e dar início efetivo à implantação de programa, estabelecido em dezembro de 2022, entre o governo federal e entidades locais, para melhorar as condições de transporte, comunicações e saneamento em Alcântara.

Com isso ficarão viabilizados um polo tecnológico e turístico e o desenvolvimento de uma região de grande potencial ainda não plenamente aproveitado. Para a eventual ampliação do centro, negociações com quilombolas deverão ser levadas a efeito. No Congresso Nacional, terá de ser discutida e aprovada uma lei de atividades espaciais que forneça segurança jurídica a operadores nacionais e estrangeiros.

O Brasil poderá, finalmente, valer-se da utilização efetiva do centro para desenvolver todo o potencial estratégico que o local mais apropriado no mundo para lançamentos espaciais pode oferecer. Nesta nova fase, recursos para o programa espacial brasileiro, com o veículo lançador de satélites, colocado de lado durante tantos anos, precisam ganhar nova prioridade.

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É PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS DE DEFESA E SEGURANÇA NACIONAL (CEDESEN)

Opinião por Rubens Barbosa

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

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