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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Índia em ascensão e o Brasil na contramão

A maneira como a Índia busca seu lugar no mundo poderia ser um exemplo para o Brasil na defesa do interesse nacional

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“Tenho a firme convicção de que em 2047, quando o país vai celebrar cem anos de independência, meu país será uma Índia desenvolvida.” Ao celebrar 75 anos da independência da Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi definiu o principal objetivo nacional para os próximos 25 anos, o de o país se tornar desenvolvido.

A Índia já é uma das cinco maiores economias do mundo. Segundo a Organização da Nações Unidas (ONU), em 2050 a população hindu deverá ser de 1,67 bilhão, contra 1,32 bilhões na China e 375 milhões nos EUA. Com uma população quatro vezes maior, a Índia poderá alcançar os EUA em tamanho da economia. Se a Índia crescer 5% por ano até 2047 (abaixo do crescimento anual no período 1990-2029) e se o PIB dos EUA crescer a 2,3%, como ocorreu, em média, no período 1990-2029, a economia indiana será igual à dos Estados Unidos no centenário de sua independência. Com políticas de Estado, a Índia surge também como uma potência em inovação e tecnologia. O programa espacial, que começou na década de 1960 e vem tendo continuidade, colocou hoje a Índia como o quarto país a pousar na Lua. Os problemas da Índia são internos: pobreza, questões étnicas e religiosas.

De conformidade com essa visão de Estado, a Índia, potência em ascensão, procura ter uma crescente voz no cenário internacional, sempre colocando em primeiro lugar seu interesse nacional, acima das disputas partidárias e ideológicas. A Índia participa de uma série de grupos, como o Quad (diálogo de segurança no Mar do Sul da China), G-7, com os EUA, Cúpula da Commonwealth (com Reino Unido), Organização para Cooperação de Xangai e Brics, com a China, o que mostra a intenção de executar uma política externa de “autonomia estratégica”. A participação da Índia em grupos não ocidentais compensa a crescente presença indiana nos grupos ocidentais. Na palavra do ministro do exterior indiano, a Índia não deve se alinhar nem ao lado da China nem ao lado dos EUA. A Índia, como o país mais populoso do mundo e a quinta maior economia global, busca defender seu próprio interesse. “Essa perspectiva – o país no centro de diferentes alinhamentos – está na base da participação da Índia em múltiplos fóruns”, o que fortalece a arquitetura de segurança indiana e aumenta sua estatura global. O quadro geopolítico global e regional é muito desafiador para o governo indiano, como evidenciado pelo conflito de fronteira com a China e a dependência da compra de armamentos da Rússia, no momento da guerra na Ucrânia, o que exige uma atitude de equidistância e independência no acompanhamento desses assuntos que colocam em questão elementos de soberania e estabilidade política.

O lugar da Índia no mundo é muito mais complexo e delicado do que o do Brasil, como exemplificado pelas ameaças de conflito na fronteira com a China e pelas implicações geopolíticas de sua localização geográfica em região de forte insegurança e ameaças. A Índia hoje é talvez o país que melhor está respondendo aos desafios geopolíticos por sua posição de autonomia estratégica. Em termos de objetivos nacionais internos, a definição de buscar um crescimento sustentado que permita atingir o nível de país desenvolvido em 25 anos dá um sentido às reformas necessárias para reduzir os riscos de conflitos étnicos ou religiosos existentes.

Em 2024, no Brasil, não há um plano ou projeto com objetivos econômicos e políticos a serem discutidos pela sociedade. Dificilmente teríamos hoje no Brasil uma liderança que possa estabelecer um objetivo, fixar um prazo e definir uma política de Estado para superar as limitações políticas, econômicas e de defesa para alcançar um nível superior de desenvolvimento e um maior peso no cenário internacional. Diferentemente da Índia, o Brasil não tem problemas internos de raça ou de religião e, externamente, não tem conflito armado em suas fronteiras.

A divisão e a polarização da sociedade brasileira influenciam a discussão e o debate sobre os múltiplos aspectos das questões nacionais, inclusive sobre um projeto nacional. A ausência de lideranças no governo, no Legislativo, no Judiciário, na classe política, nos setores industriais e agrícolas contribui para a discussão fatiada, sem a preocupação mais geral de pensar o Brasil em um mundo em grandes transformações. Mudaram a economia global, a ordem internacional, a geopolítica, meio ambiente e mudança de clima são temas globais, a inovação tecnológica se acelerou e a inteligência artificial criou desafios na área civil e militar. As mudanças ocorridas nas últimas décadas no Brasil e no seu entorno geográfico, relevantes para uma análise objetiva sobre a inserção externa do País, são ignoradas. Quais as prioridades? Como enfrentar os desafios das transformações globais? Como transformar o Brasil, potência regional, em potência em ascensão?

A maneira como a Índia busca seu lugar no mundo poderia ser um exemplo que o Brasil deveria seguir na defesa do interesse nacional, com visão estratégica de médio e longo prazo.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Opinião por Rubens Barbosa

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

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