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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|O Brasil e a Rota da Seda

A Rota da Seda sul-americana, levando em conta os interesses brasileiros, poderia representar um passo relevante para uma política de integração física que beneficie todos os países da região

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Em agosto, Brasil e China celebraram 50 anos do restabelecimento de relações diplomáticas e, em novembro, o presidente chinês, Xi Jinping, virá ao Brasil para uma visita bilateral e também para participar da reunião do G-20.

Na década de 1990, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso à frente do Itamaraty, a China propôs e foi aceita pelo Brasil uma parceria estratégica que deveria beneficiar ambos os países. Os últimos 25 anos mostraram resultados bastante favoráveis a ambos os lados em termos de segurança alimentar (37% das exportações brasileiras de produtos agrícolas são absorvidas pelo mercado chinês) e energia (com investimentos chineses no Brasil). Deve ser mencionado, contudo, que, do lado brasileiro, ainda falta uma visão estratégica mais pragmática, sobretudo na atração de investimentos produtivos.

Dentro de uma visão estratégica de longo prazo, em 2013, o governo da China lançou a iniciativa Rota da Seda (Belt and Road Initiative) com o prazo de até 2049 para estar completa. A iniciativa dispõe de uma organização institucional integrada por um fórum para cooperação internacional e um conselho de alto nível. Os objetivos de Pequim são ampliação da coordenação política entre os países participantes, ampliação das facilidades de conexão entre todos os países, comércio desimpedido, integração financeira e melhora da relação entre os povos. A iniciativa Rota da Seda prevê investimentos chineses em infraestrutura (ferrovias, rodovias, energia, digital) em projetos terrestres e marítimos para conectar a China com a Ásia, Europa, África e América Latina por terra e mar. Integrada hoje por mais de 150 países, (20 na América Latina, somente Brasil, Paraguai e Colômbia estão fora até aqui), a Rota da Seda é o mais importante projeto da diplomacia chinesa.

Desde a ida do presidente Lula da Silva a Pequim em 2023, a China tem insistido para o Brasil integrar a Rota da Seda. Certamente, esse será um dos itens da agenda bilateral em novembro e, segundo se sabe, o Brasil deverá ser mais um país a participar da iniciativa chinesa.

Os aspectos geopolíticos do projeto foram ressaltados quando, como uma reação ocidental, os países do G-7, em 2022, aprovaram um plano de expansão na infraestrutura, com a possibilidade de gastos de US$ 600 bilhões. O plano, no entanto, pouco avançou, ao contrário da iniciativa chinesa, que iniciou mais de mil projetos nos últimos dez anos, especialmente na Ásia e África, mas também na Europa e América Latina.

A entrada na Rota da Seda deveria ser precedida da definição do interesse brasileiro. Levando em conta considerações geopolíticas, a questão que se coloca, do ponto de vista da política externa e do interesse nacional, é como o Brasil vai se juntar à Rota da Seda sem perder a visão de equidistância entre o Ocidente e a China. O gesto poderá ser oficializado pela simples adesão ou, confirmando a posição de independência, poderá ficar no contexto dos dois países, com a inclusão dessa questão na Comissão Mista Brasil-China (Cosban), mecanismo de coordenação bilateral, em que seriam discutidos os projetos que viriam a ser incluídos na Rota da Seda: quais poderão ser considerados e como se dará o acesso ao financiamento para a execução deles. Aqueles de infraestrutura na América do Sul são os que mais se enquadram no contexto da Rota da Seda. Caso concretizados, favoreceriam a ampliação do comércio do Brasil com os vizinhos sul-americanos e poderiam abrir um corredor para a exportação de produtos brasileiros para a Ásia, especialmente para a China. A Rota da Seda sul-americana, levando em conta os interesses brasileiros, poderia representar um passo relevante para uma política de integração física na América do Sul, liderada pelo Brasil, que possa beneficiar todos os países da região.

Não está incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) um projeto estratégico de longo prazo que ligasse, por via ferroviária, o Atlântico ao Pacífico, de 3.755 quilômetros (km) de extensão (1.900 km no Brasil), passando pela metade norte do território nacional e pela Bolívia, e que chegasse aos portos peruanos, que estão sendo ampliados com recursos chineses. Esse corredor ferroviário teria um sentido estratégico fundamental para o Brasil se pudesse ser executado. Alternativamente, poderiam ser mais bem aproveitadas as vias hidroviárias nacionais na interligação com países vizinhos, como o Peru.

O transporte de produtos de exportação do Brasil não acompanhou a grande mudança do eixo comercial para a Ásia, em especial a China. Para alcançar essa região, 50% das exportações brasileiras têm de passar pelo Canal do Panamá ou pelo sul da África, o que não é eficiente nem econômico. Torna-se cada vez mais urgente abrir corredores de exportação diretamente para os mercados asiáticos, via portos no Peru e no Chile no Pacífico, para diminuir o tempo de transporte e o frete e tornar os produtos brasileiros mais competitivos.

A ideia de colaboração na construção do ambicioso corredor ferroviário ou de uma integração hidroviária no caminho do Pacífico, para o Porto de Chancay, no Peru, poderia ser um dos pontos altos das comemorações dos 50 anos.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Opinião por Rubens Barbosa

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

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