As grandes transformações econômicas e geopolíticas que estão ocorrendo no cenário internacional, junto com as inovações e avanços tecnológicos, trazem novos desafios e oportunidades para todos os países. No caso do Brasil, um dos setores que mais poderá se beneficiar deste novo contexto global é o da mineração, em função da crescente importância para a produção e desenvolvimento de novos produtos de consumo e de equipamentos para fins militares. Relatório recente da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) observa que países emergentes são produtores-chave de minerais críticos essenciais para a economia digital, uma oportunidade para desenvolver suas indústrias e economia. Até 2050, a demanda por minerais críticos, como grafite, lítio e cobalto, poderá aumentar 500%, impulsionada por eletrônicos, baterias de veículos elétricos e armazenamento de energia renovável. A cobertura 5G esperada para aumentar de 25% em 2021 para 85% até 2028 impulsionará o mercado de semicondutores, que já quadruplicou de 2001 a 2022. No entanto, isso só vai ocorrer se esses mercados conseguirem agregar valor aos minerais extraídos. “Essa ambição requer uma mudança estratégica em direção à digitalização sustentável e inclusiva. Isso significa reduzir resíduos e impactos ambientais e melhorar a eficiência do uso de matérias-primas”, indica a Unctad.
No Brasil, um estudo do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) mostra, por exemplo, que o País produz minerais de baixo carbono, mas não consegue a remuneração adequada, isto é, um prêmio verde. O setor mineral representa uma parcela importante da economia brasileira. Historicamente responsável por alavancar diferentes setores produtivos desde o período colonial, o potencial geológico do País se destaca por meio de reservas naturais de minério de ferro, ouro, cobre, níquel, alumínio e nióbio, entre outros. Além disso, a atividade de mineração contribui com cerca de 4% do Produto Interno Bruto nacional. Em 2022, o Brasil cresceu em protagonismo internacional na mineração com um volume de exportação de US$ 41,7 bilhões. A produção de minério de ferro totalizou 61,4% do faturamento do setor no mesmo ano, quando foram gerados mais de 204 mil empregos diretos e 2,25 milhões de empregos indiretos.
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) apresentou recentemente importante contribuição para o debate sobre a definição de uma política moderna e ajustada às novas circunstâncias globais com a divulgação do documento Fundamentos para Políticas Públicas em Minerais Críticos e Estratégicos para o Brasil. Ali são indicados elementos para uma fase importante de adequação de sistemas, processos e produtos até a década de 2030, com a prática de sistemas energéticos híbridos que mesclam sistemas clássicos baseados ainda no consumo de combustíveis fósseis e tecnologias inovadoras aptas ao uso de fontes energéticas renováveis, como os aerogeradores, as baterias de íon-lítio e as células a hidrogênio. O desafio, no entanto, está em atingir as metas de carbono neutro até 2050, sem prescindir de recursos minerais críticos e estratégicos, por meio do desenvolvimento e adoção de tecnologias que possibilitem maior eficiência no consumo de materiais e da viabilidade de soluções que sejam ambientalmente justas e economicamente satisfatórias.
A regulamentação da Política Mineral Brasileira ganhou nova abordagem a partir do Decreto n.º 11.108 de 2022, com destaque para alguns princípios como a valorização dos benefícios socioeconômicos dos recursos minerais, a agregação de valor aos bens minerais, a ampliação da competitividade no mercado internacional, sem, no entanto, perder de vista a promoção do desenvolvimento sustentável e a responsabilidade socioambiental. Dessa forma, para além das exigências de licenciamento ambiental, o setor reforça, como instrumentos do planejamento, o Plano Nacional de Mineração até 2030. O Decreto n.º 10.657 de 2021, por sua vez, estabelece critérios para o licenciamento ambiental e a lista de minerais estratégicos no âmbito da Política Pró-Minerais Estratégicos. Os critérios estabelecidos para a seleção dos minerais se pautam na dependência da importação, na importância econômica e na aplicação em produtos tecnológicos. Isso significa que, além dos aspectos econômicos, o grau de maturidade tecnológica ganha espaço e justifica o foco em soluções que apontam para a transição energética como um dos pilares de sustentação da economia de baixo carbono.
A legislação existente oferece o marco legal para a implementação de políticas públicas para minerais críticos e estratégicos que estimulem o investimento no Brasil de empresas que necessitem desses minerais para a produção de seus produtos, a exemplo do que já estão fazendo outros países.
Nesse contexto, a proposta recebida pelo Brasil para ser fornecedor preferencial de minérios críticos para os EUA só poderia ser aceita se houver, como contrapartida, garantia de investimento local na cadeia produtiva de tecnologia de transição energética.
Os minérios estratégicos e críticos brasileiros não podem se transformar em uma commodity similar aos produtos agrícolas.
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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
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