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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Vamos discutir o Brasil

É quase inexistente hoje o pensamento sobre o Brasil como país, e não como palco de disputas ideológicas e partidárias

Foto do author Rubens Barbosa

“Tinha razão aquele velho brasileiro que, escandalizado com a futilidade dos nossos debates políticos, lembrava a conveniência de, ao lado do Congresso Nacional, organizar-se uma comissão permanente de brasileiros de boa vontade, sem outra preocupação que a prosperidade e a grandeza da Pátria, para o fim de estudar e resolver os grandes problemas políticos de nossa terra. O Congresso ficaria para as parolagens inúteis, para os bate-bocas apaixonados, para as exibições teatrais (...).” Nada mais atual do que o comentário publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 23 de novembro de 1935.

Nos dias que correm, a divisão e a polarização da sociedade brasileira dificultam e influenciam a discussão e o debate sobre os múltiplos aspectos das questões nacionais. O foco de debate reproduzido pela mídia tradicional e pela mídia social reflete aspectos importantes da economia, da política, das questões sociais, das questões identitárias, as reformas estruturais, a relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, as questões ambientais e de mudança de clima, a violência e a corrupção. São raramente analisados os impactos relacionados com o cenário global (guerras, nacionalismo, protecionismo, geoeconomia e uso da força, inovação, inteligência artificial, entre outras) sobre a economia e a política nacionais.

Discute-se tudo, mas pouco ou quase nada sobre o Brasil. É quase inexistente hoje o pensamento sobre o Brasil como país, e não como palco de disputas ideológicas e partidárias. A ausência de lideranças no governo, no Legislativo, no Judiciário, na classe política, nos setores industriais e agrícolas contribui para a discussão fatiada, sem a preocupação mais geral de pensar o Brasil em primeiro lugar, em um mundo em grandes transformações, e sem reconhecer as mudanças ocorridas nas últimas décadas no País e no seu entorno geográfico (América Latina e do Sul), relevantes para uma análise objetiva. Está mudando a economia global, a ordem internacional, a geopolítica, o meio ambiente e a mudança de clima, a inovação tecnológica se acelerou e a inteligência artificial criou desafios na área civil e militar, a geoeconomia e a segurança nacional são as forças do momento. Qual o impacto dessas transformações sobre o Brasil? Quais as decisões estratégicas, internas e externas, que terão de ser adotadas para o Brasil responder a esses desafios? Como tentar reduzir as vulnerabilidades e aproveitar as oportunidades que se oferecem na nova ordem econômica e mundial? Como enfrentar as novas e as tradicionais ameaças à soberania, ao desenvolvimento e à segurança do País?

A radicalização da política interna, na minha visão, torna difícil, neste momento, a discussão sobre um projeto para o Brasil. Na impossibilidade de se chegar a um acordo em torno de um projeto nacional por diferenças ideológicas e político-partidárias, torna-se necessário preencher essa grave lacuna do ponto de vista estratégico. Não existe nenhum documento oficial (e poucos de origem na academia) que pensem o Brasil no contexto global e que tenha sido discutido com a sociedade civil.

Chegou a hora de começar a discutir o Brasil e tentar colocar os interesses nacionais permanentes acima de visões setoriais, como fazem todos os principais países do mundo, com uma visão de médio e longo prazo. O documento Uma Estratégia para o Brasil – O Lugar do Brasil no Mundo, preparado pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), procura contribuir para um debate que está atrasado, mas que se faz necessário (interessenacional.com.br). Não se trata de um documento elaborado a partir das políticas do governo de turno nem com viés ideológico ou partidário. Necessariamente genérico, sempre com uma visão estratégica e não conjuntural, o trabalho trata dos objetivos nacionais, do lugar do Brasil no mundo, sinaliza as prioridades e vulnerabilidades de uma potência de médio porte emergente que tem um peso no cenário internacional como oitava economia global, com um território continental e mais de 210 milhões de habitantes. O documento vai além da Estratégia Nacional de Defesa e da Política Nacional de Defesa, produzidos pelo Ministério da Defesa, que refletem posições nacionais, mas de um ponto de vista setorial.

Durante o ano de 2025, serão promovidos encontros virtuais e presencias para discutir o trabalho e suscitar o debate sobre uma estratégia para o Brasil, do ponto de vista interno e externo, com uma visão de médio e longo prazo. Com isso, se pretende começar a focalizar o Brasil em primeiro lugar, em um novo mundo, em complemento ao debate interno conjuntural de todos os problemas políticos, econômicos e sociais nacionais.

O Irice, com o apoio do Portal Interesse Nacional, organizará uma série de encontros para sensibilizar a sociedade civil para esse debate. Serão buscadas parcerias com as Comissões de Relações Exteriores e de Defesa, da Câmara e do Senado, com os partidos políticos, com instituições civis e militares, públicas ou privadas, empresariais e acadêmicas, além de formadores de opinião na mídia social que possam se interessar.

Vamos discutir o Brasil acima de interesses ideológicos e partidários.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

Opinião por Rubens Barbosa

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

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