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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Virar a página

Estão criadas as condições para efetiva normalização das relações entre civis e militares, com o compromisso de ambas as partes de respeito mútuo e preservação da ordem democrática

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A passagem do 7 de setembro, celebrando a Independência do Brasil, num momento delicado da relação entre civis e militares, por tudo o que está sendo divulgado, aconselha algumas reflexões voltadas para o futuro.

Desde a Proclamação da República até 1985, a interferência e a participação dos militares na política foram um fator de instabilidade interna e de restrição à democracia no País. Nos últimos quatro anos, apesar das sucessivas tentativas de envolver as Forças Armadas politicamente, essa instituição manteve-se isenta e alheia a qualquer tentativa de pôr em risco os princípios democráticos e as eleições presidenciais. Os acontecimentos de 8 de janeiro geraram desconfiança da parte do novo governo, explicitada pelo presidente eleito, quanto à lealdade de membros individuais da corporação. Essa situação está sendo superada pela construção de confiança mútua e por sucessivos pronunciamentos de altas autoridade militares sobre a vocação profissional das Forças Armadas e o seu afastamento de ações políticas que possam interferir no processo democrático.

Estão, assim, criadas as condições para uma efetiva normalização das relações entre civis e militares, com o compromisso de ambas as partes de respeito mútuo e preservação da ordem democrática, com o apoio civil para a crescente profissionalização dos militares e o fortalecimento das Forças Armadas como instituição, segundo os preceitos constitucionais. Será virada a página das intervenções militares na vida pública nacional.

A normalização das relações entre civis e militares deve estar baseada em princípios que serão respeitados por todas as partes diretamente interessadas. A efetiva normalização das relações entre civis e militares deve ser parte do fortalecimento institucional e da democracia no Brasil.

Confiança mútua ajuda a superar as fricções que existem ou possam surgir no processo. Os grupos civis e militares constroem sua confiança na interação diária e a reforçam e utilizam durante tempos de crise.

O projeto democrático não fica ameaçado pela existência de posições firmes dos militares na medida em que os líderes civis e militares – e os membros das corporações liderados por eles – aceitem e implementem uma efetiva normalização das relações entre civis e militares.

Há limites significativos no papel público dos militares na política partidária, como definido nos regulamentos do Ministério da Defesa e na legislação aprovada pelo Congresso. As lideranças militares e civis devem seguir as normas em vigor para manter os militares separados da atividade político-partidária.

Segundo a Constituição brasileira, as Forças Armadas devem estar subordinadas ao poder civil do presidente da República. O poder civil, desta forma, deve operar no contexto do marco constitucional, sob o império da lei. Oficiais militares juraram apoiar e defender a Constituição, e não oferecer lealdade a uma pessoa ou a uma posição política ou partidária. Todos os civis estão também obrigados a apoiar e defender a Constituição como seu dever mais importante.

Legislações, políticas e ordens são revistas regularmente por múltiplos ministérios para assegurar sua legalidade, efetividade e correção, que civis e militares devem cumprir.

O poder civil deve ser afirmado nos três braços do governo: Executivo, Legislativo e Judiciário.

No Executivo, por meio de ordens operacionais, seguindo a cadeia de comando, desde o presidente até o ministro civil da Defesa. O controle civil é também exercido pelo Executivo pelo desenvolvimento de políticas – inclusive no tocante às implicações externas, sob a coordenação do Ministério das Relações Exteriores – e sua implementação pelos diferentes órgãos do governo, para dar forma aos planos e opções, com o conselho e a participação dos militares, quando chamados a opinar.

No Legislativo, por meio de poderes enunciados pela Constituição, a começar pelo poder de declarar guerra e buscar apoio das Forças Armadas. O Congresso determina e autoriza recursos públicos para possibilitar a atividade militar. O Congresso tem de examinar e aprovar a Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa. Os membros do Congresso, por meio das Comissões de Relações Exteriores e de Defesa, acompanham e podem sugerir medidas e políticas ao Executivo, e dessa forma ter um papel importante na supervisão civil de políticas na área de Defesa.

No Judiciário, em certos casos ou em controvérsias, pela revisão de políticas, ordens executivas e ações envolvendo os militares. Na prática, o poder de declarar ilegais ou inconstitucionais políticas, ordens e ações é decisivo, porque os militares são obrigados (por lei ou pela ética profissional) a recusar-se a cumprir uma política, ordem ou ação ilegal ou inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal se pronunciou contrário à interpretação de que o artigo 142 da Constituição atribui um poder moderador às Forças Armadas.

As relações civis-militares compreendem um processo dinâmico e interativo, ajustado ao estilo da liderança civil. Segundo as melhores práticas, as relações entre civis e militares devem seguir a Constituição para a intransigente defesa da legalidade, da pacificação e da democracia.

É chegada a hora de, com serenidade, virar a página da história dos últimos 134 anos no tocante à participação dos militares na vida política nacional.

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PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS DE DEFESA E SEGURANÇA NACIONAL (CEDESEN)

Opinião por Rubens Barbosa

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

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