Analistas definem a posição da China em relação à guerra na Ucrânia como uma “neutralidade pró-Rússia”. A ambivalência foi comprovada na visita do presidente Xi Jinping à Rússia. De jure, a China é neutra e Xi foi a Moscou em missão de paz. De facto, o encontro com Vladimir Putin foi uma enfática demonstração de solidariedade, crucial para as ambições geopolíticas chinesas: consolidar a narrativa de um Ocidente em declínio e um Oriente em ascensão e substituir a “ordem internacional baseada em regras” liderada pelos EUA pela “Iniciativa de Segurança Global” do Partido Comunista Chinês.
Para Xi convém figurar como pacificador. Por um lado, para abastecer a acusação aos EUA – apta a vencer a batalha de opinião no “Sul global” – como uma potência belicosa que divide o mundo entre amigos e inimigos. Ao mesmo tempo, o repúdio a expedientes nucleares, a evasiva ao pedido de armas pela Rússia e as promessas de um telefonema ao presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, foram projetados para reabilitar a reputação da China na Europa, seu principal parceiro comercial ao lado dos EUA. A mediação da reaproximação entre Irã e Arábia Saudita edulcorou as credenciais pacifistas de Xi e seu “plano de paz” foi elogiado pelos russos.
Mas, na prática, Xi tem pouco interesse em uma mediação neste momento. Primeiro, porque nem Rússia nem Ucrânia a querem – ambas creem poder conquistar posições no campo de batalha. Além disso, seu plano é impraticável para os ucranianos – ele advoga o fim das sanções ocidentais sem dizer nada sobre a desocupação de territórios pelos russos. De resto, como resumiu Alexander Gabuev, um pesquisador russo exilado especialista em China, os chineses “entendem que o momento é muito propício para enfiar a Rússia mais fundo em seu bolso”.
Em 2022, as exportações de petróleo e gás russo para a China quase dobraram. As exportações chinesas para a Rússia cresceram 12,8%. No confronto da China com os EUA, que poderia ser acirrado por hostilidades a Taiwan, a Rússia é fonte crucial de energia, tecnologia militar e apoio diplomático.
Se o fim da guerra interessa pouco a Xi, uma derrota russa interessa ainda menos. Ela pesaria a balança do poder em favor dos EUA e da Otan e o que eles representam: a democracia liberal. Concomitante às generalidades de Xi sobre a neutralidade da China, seus diplomatas e a mídia oficial repercutem a narrativa de Putin de que a culpa pela guerra é a expansão da Otan e o hegemonismo dos EUA. Se há tratativas para o envio de armas à Rússia, são sigilosas, mas seriam uma alarmante inflexão na estratégia de ambivalência da China.
Esse é só mais um ponto volátil no equilíbrio de forças entre China e EUA. As perspectivas de uma estabilização nas relações bilaterais após o encontro entre Xi e o presidente americano, Joe Biden, em novembro passado foram, por ora, esvaziadas quando um balão de espionagem chinês foi abatido nos EUA em fevereiro. Ainda assim, o mundo precisa desesperadamente que as duas potências oxigenem sua comunicação e criem anteparos para garantir competição e trocas no plano econômico, cooperação em desafios globais (como as mudanças climáticas) e convivência no plano geopolítico. Neste último ponto, a antiga guerra fria tem lições úteis a oferecer. Mas o alinhamento entre Rússia e China não é alvissareiro.
Após a 2.ª Guerra Mundial, a aproximação dos americanos à China para aprofundar seu cisma com a União Soviética foi fundamental para encerrar a guerra fria. Agora, mesmo que a parceria entre China e Rússia não seja “sem limites”, como alegam, é cada vez mais estreita. Ao mesmo tempo, é cada vez mais distante de uma “amizade” entre iguais e cada vez mais próxima à relação entre um suserano – uma China menos preocupada com as “reformas e aberturas” econômicas das últimas décadas do que com “segurança e controle” geopolíticos – e um vassalo – uma Rússia com ambições de restaurar um império eslavo. Isso só aproxima o mundo de uma 3.ª guerra mundial. Evitá-la a qualquer custo é o grande desafio desta geração.