Tendo voltado à Câmara por causa de alterações feitas pelo Senado, o projeto de lei que prevê multas para as empresas que pagam salários diferentes para homens e mulheres que exercem a mesma função vem causando discussões nos meios sindicais, empresariais e jurídicos. O projeto foi apresentado na Câmara em 2009 e enviado ao Senado em 2011, onde tramitou por dez anos. Sua aprovação só foi possível porque as senadoras se mobilizaram para colocá-lo na pauta.
O motivo da polêmica é o aumento das sanções pecuniárias a serem aplicadas às empresas que continuarem discriminando trabalhadoras. Pelo projeto, as empresas terão de pagar multas que podem chegar a cinco vezes o valor da diferença salarial em relação aos trabalhadores. Depois de aprovado pelo Senado, o projeto chegou a ser enviado para sanção do presidente da República, mas o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), solicitou que fosse apreciado novamente pelos deputados, sob a justificativa de que as alterações feitas no texto pelos senadores não foram de redação, mas de mérito.
Por isso, enquanto entidades feministas pressionavam para que o projeto fosse reapreciado pela Câmara em regime de urgência, associações empresariais continuavam reclamando do valor das multas e pedindo o veto do presidente da República, quando o projeto for novamente submetido à sua apreciação. Por seu lado, numa de suas lives semanais, Bolsonaro já afirmou que qualquer que for sua decisão ela terá um ônus político. Segundo ele, se vetar as multas, será “massacrado por uma campanha de mulheres”; se mantiver as multas, será acusado pelos empresários de “quebrá-los”. A polêmica é tão acirrada que até a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Maria Cristina Peduzzi, interveio no debate.
Em vez de se limitar a discutir as implicações jurídicas do projeto, ela afirmou, em entrevista ao Estado, que as multas previstas são muito altas, podendo prejudicar as empresas, por um lado, e gerar, por outro, insegurança nas relações entre empregadores e empregados e empregadas. Segundo a presidente do TST, o motivo de seu temor é a crise econômica decorrente da pandemia, que acarretou dificuldades financeiras para as empresas, deixando-as com problemas de caixa.
“Grande parte dos empregadores, não só pequenos e médios, mas também grandes, muitas vezes não tem receita para pagar despesas de fluxo corrente. É o momento de impor mais punição aos empregadores em geral? Minha opinião é de que uma multa tão pesada, de até cinco vezes o valor da diferença entre o salário de homem e mulher na mesma função, num momento de crise pode gerar mais discriminação para a mulher. Excesso de proteção pode gerar desproteção”, disse a ministra Peduzzi.
Embora tenha reconhecido que o problema da discriminação salarial contra as mulheres seja antigo, ela afirmou que, em vez de estabelecer severas sanções pecuniárias, os deputados e senadores deveriam ter proposto medidas educativas para combater a desigualdade salarial entre homens e mulheres que executam o mesmo trabalho. Também disse que os parlamentares poderiam ter previsto estímulos tributários para incentivar “que não se descumpra a lei”. Lembrou ainda que, “quando se trata de redução de postos de trabalho, no período da pandemia as mulheres perdem mais emprego do que os homens”. Por fim, reconheceu que o melhor teria sido discutir o projeto de isonomia salarial entre homens e mulheres após o fim da pandemia.
Infelizmente, essa é a triste sina entre nós das inovações legais concebidas para corrigir desigualdades sociais. Invariavelmente, os projetos com esse objetivo demoram anos para ser votados. E, quando são aprovados, erguem-se diversos obstáculos para que entrem em vigor e a implementação das inovações acaba adiada para “dias melhores”. Não é por acaso que o Brasil ocupa o 130.º lugar num ranking de 153 nações do Fórum Econômico Mundial que, em 2019, analisou a discriminação salarial contra mulheres.