Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Saneamento e desigualdade

Brasileiros pardos, pobres e com baixa escolaridade são vítimas da negligência do Estado de investir em redes de esgoto; situação trava desenvolvimento humano e sustentável do País

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

O acesso à rede de esgoto continua vergonhosamente a ser o grande mal de um Brasil em plena terceira década do século 21. Não há como conter a indignação diante da evidência já apresentada pelo IBGE de que 32,2% da população não dispunha desse serviço fundamental em 2022. Recente estudo, porém, confirma o vínculo dessa mazela à persistente desigualdade social do País. Os brasileiros sujeitos a tal condição são, em sua maioria, pardos, têm renda mensal de 25% do salário mínimo e não concluíram o ensino fundamental.

O estudo Quem não tem saneamento básico, da Associação das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), esmiúça dados sobre o saneamento básico reunidos pela Pnad Contínua do ano passado. Consequentemente, expõe o alto grau de negligência de autoridades públicas eleitas com a promessa tácita, mesmo não proferida em comícios, de prover e garantir a dignidade e a cidadania por meio do acesso aos serviços públicos essenciais. Os dados mostram que, dentre os brasileiros sem acesso à rede de esgoto, 19,5% são crianças menores de 12 anos. Parcelas importantes do presente e do futuro do País estão condenadas, por omissão do Estado, a padecer de todos os males do despejo de dejetos em fossas, a principal das alternativas. Perpetua-se a pobreza.

O acesso à rede de esgoto, segundo o estudo, escala em paralelo à renda do cidadão, em brutal reprodução da desigualdade econômica. Dentre os brasileiros com renda de até ¼ do salário mínimo, 55,9% estão apartados das redes de coleta. O porcentual reduz para 23,1% entre os que dispõem de um a dois salários mínimos e continua caindo nas faixas seguintes. Somente 10% dos que vivem com mais de cinco salários mínimos enfrentam tal condição.

A desigualdade lastreada na raça igualmente está refletida nos dados. Se 24,1% dos brancos não têm acesso à rede de esgoto, a proporção escala nos demais grupos. Entre os pardos, alcança 40,4%; e entre os pretos, 30,6%. Os mais expostos são 44,1% dos indígenas. O nível de escolaridade pesa também, com 39% dos brasileiros que não concluíram o ensino fundamental vivendo nessas condições. Os formados em ensino superior não passam de 7,7%. O Nordeste lidera as regiões do País com 43% de pessoas sem esse serviço.

O quadro de atraso e injustiça social encontra exemplo em Vila da Barca, favela na zona central de Belém (PA) vizinha a um condomínio de alto padrão, descrita em recente reportagem do Estadão. As palafitas sobrevivem há um século, graças à negligência das autoridades públicas, e impõem a seus moradores a convivência com o lixo, o precário acesso à água e a distância da rede de coleta de esgoto. O descaso tenderia a se perpetuar, não fosse a escolha de Belém como sede da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2025, a COP-30.

Não é preciso grande esforço para perceber os malefícios dessas condições físicas para a saúde e o desenvolvimento humano das pessoas – e seus custos inevitáveis para o Estado. Tampouco são necessários adjetivos para entender os impactos do lixo e do esgoto despejados das palafitas no Rio Guajará ao meio ambiente da capital paraense. Até o momento, esse é o cartão-postal da COP-30 no Brasil.

O governo Lula da Silva e seus dois sucessores, sejam quem forem, serão cobrados pelas metas criadas pelo Marco do Saneamento, assim como governadores e prefeitos. A Lei 14.020/20, que definiu as diretrizes para o setor, impôs o compromisso de extensão da rede de coleta e tratamento de esgoto a 90% dos brasileiros até 2030 e de universalização três anos depois. No Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), entretanto, falta clareza sobre a disponibilidade dos recursos prometidos para cumprir esses objetivos. Não há tempo de sobra quando se trata de brutal injustiça social. É preciso agir com urgência e eficácia. Do contrário, o desenvolvimento sustentável e humano do País continuará quimérico por mais algumas décadas – isso sem falar da eternização de uma inaceitável indecência.