Há um aparente contrassenso na segurança pública de São Paulo: enquanto a população paulistana coloca a insegurança e a violência como um dos maiores, se não o maior, problemas da capital, indicadores exibem melhora, o que, em tese, desabonaria essa percepção popular. Só em tese. Tanto a capital quanto o Estado em geral parecem hoje mais seguros, se observadas algumas tendências como as quedas nos números de homicídios e de roubos e furtos. Os paulistanos, no entanto, precisam lidar com o crescimento no número de latrocínios (roubos seguidos de morte), roubo à mão armada, estupro e feminicídio – além do assustador aumento da letalidade policial. Em entrevista a este jornal, a socióloga Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sintetizou esse aparente paradoxo, a ponto de dizer que, apesar do hiato entre as estatísticas e o sentimento da população, a percepção de insegurança não é desproporcional: “A população tem toda razão de estar amedrontada”.
E como. Enquanto homicídios ocorrem em áreas mais restritas, concentrando-se em regiões periféricas da cidade, crimes como roubo à mão armada e latrocínio se espalham por toda a capital. Em outras palavras, como explicou a socióloga, a redução de homicídios não necessariamente gera sensação de segurança mais generalizada porque a maioria da população não se sente exposta a esse tipo de violência. O mesmo não se pode dizer do roubo e do latrocínio. Como disse ao vodcast Dois Pontos, do Estadão, o coronel reformado José Vicente da Silva Filho, para cada homicídio – decerto o crime mais grave – há entre 150 e 200 roubos registrados nas capitais. Sua extensão e variedade, inclusive com uso de arma de fogo que transforma o roubo em latrocínio, é o que explica em grande medida a sensação de medo na população.
O resultado está nos números e no sentimento popular: no ano passado, houve aumento de 23% dos latrocínios. É um tipo de crime que, para se consumar, há violência extrema, como o caso do ciclista Vitor Medrado, que em fevereiro foi assassinado no Itaim Bibi, ou do jovem Vitor Rocha e Silva, morto em janeiro após assalto em Pinheiros. Arrastões e casos de agressões e mortes provocadas por policiais integram o arsenal motivador da insegurança. Em janeiro, pesquisa da organização Rede Nossa São Paulo mostrou que 74% da população aponta a segurança como o maior problema da cidade, à frente da saúde (36% das menções), transporte coletivo (15%) e habitação e educação (12%). Um resultado que confirma outra sondagem, de setembro, realizada pelo Datafolha, que apontou a violência como o problema mais grave da cidade, voltando a encabeçar a lista após 11 anos de pesquisas similares do instituto.
Especialistas são unânimes ao reconhecer que modalidades criminosas vão e voltam como ondas, mas não há dúvida de que o celular como alvo preferencial de ladrões veio para ficar. É pequeno, fácil de portar e pode ser facilmente vendido para um mercado que compra produtos de origem criminosa, além de oferecer a bandidos a possibilidade de acessar dados pessoais, entrar em aplicativos de bancos e realizar compras com cartões cadastrados – informações que ainda servem para aplicar golpes de estelionato (que, não à toa, cresceram 260% no Brasil entre 2018 e 2023, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
Estudos do governo americano já mostraram que o medo da violência pode ser pior do que a própria violência, pois atinge uma população muito maior do que as vítimas de crimes. Segundo a mesma lógica, a exposição de casos violentos amplifica a percepção de insegurança. Um crime cometido em um lugar cria medo em outro. A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo tem afirmado que o policiamento preventivo e ostensivo está sendo reorientado, com base na análise dos indicadores criminais. É uma medida acertada, mas convém lembrar que, na atual gestão, a população viu o enfraquecimento de políticas que, em gestões anteriores, garantiram a profissionalização da Polícia Militar e, simultaneamente, a notável melhora nos indicadores. Hoje, como disse a especialista, a população tem toda razão de estar amedrontada – e o medo, como se sabe, é péssimo conselheiro de políticas de segurança.