Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) vão disputar o segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo. A delinquência que marcou a campanha de Pablo Marçal foi rejeitada pela maioria dos eleitores paulistanos, um triunfo da decência sobre a infâmia e da civilidade sobre a barbárie política. A derrota de um desqualificado como Marçal é uma vitória da democracia contra aquele que revelou ser um de seus mais insolentes agressores. Assim há de ser celebrada pelos democratas de corpo e alma em todo o País.
O fracasso eleitoral do sr. Marçal, todavia, não significa que ele esteja livre de responder pela pletora de crimes eleitorais e possíveis crimes comuns que cometeu ao longo desta que foi a campanha mais violenta de que São Paulo teve notícia em sua história recente. Assim como a eventual vitória do tal coach não o exoneraria da obrigação de prestar contas de seus atos à Justiça, sua derrota tampouco tem esse condão absolutório. Marçal é um corpo estranho à democracia e deve ser contido pelo melhor instrumento de defesa do regime democrático: a supremacia da lei.
Mas agora o que importa para o futuro de São Paulo é que o destino de Marçal passou a ser assunto do Ministério Público e do Poder Judiciário, e não mais da política. A capital paulista, enfim, respira aliviada. Em três semanas, os paulistanos voltarão às urnas para escolher seu futuro prefeito entre dois candidatos que são muito diferentes entre si em termos ideológicos e programáticos, mas que jamais ameaçaram o processo eleitoral e, principalmente, a democracia.
Com um delinquente como Marçal fora do páreo, este jornal espera que a disputa entre Nunes e Boulos possa ser travada em termos mais civilizados e quiçá propositivos. Foi assim em 2020 e agora nada impede que o seja novamente. A metrópole tem muitos problemas crônicos na oferta de serviços públicos de saúde, educação, zeladoria urbana e transportes, mas o debate em torno das propostas de soluções para esses problemas foi coadjuvante ao longo de uma campanha na qual o que pareceu ser mais relevante foi a desqualificação de adversários nos termos mais baixos, sem falar no absoluto desrespeito aos eleitores, disputados a tapa, literalmente, como se fossem meros autômatos seguidores de redes sociais.
A rejeição de Marçal nas urnas, portanto, é um bálsamo para os que acreditam, como o Estadão acredita, que a política não apenas é necessária, como constitui o único meio de concertação civilizada entre os interesses e visões para a cidade e para o País por vezes conflitantes no seio da sociedade. É incontrastável o fato de que a política dita tradicional tem falhado em atender aos anseios mais prementes dos brasileiros, em boa medida pelo alheamento dos caciques partidários ao melhor interesse público. Dignos da confiança dos eleitores, porém, são os que verdadeiramente se mostram dispostos a aprimorar a política, seja qual for a sua afiliação ideológica e partidária, e não a destruí-la, como era o caso de Marçal.
A campanha do coach, como restou notório, jamais disfarçou seu tom marginal, muito pelo contrário. Marçal abusou da agressão física e moral contra seus adversários como uma estratégia eleitoral. Contudo, sua retórica “antissistema”, a rejeição às instituições políticas tradicionais e a tentativa de se colocar acima das regras do jogo democrático, felizmente, não convenceram a maioria dos eleitores paulistanos. A consagração pelas urnas dessa metodologia marginal legitimaria um comportamento que atenta contra os princípios básicos da representação política, a começar pela negação do diálogo e pelo desprezo pelas leis escritas e não escritas que sustentam a convivência pacífica e o progresso social de qualquer nação civilizada.
São Paulo exige daqueles que se dispõem a administrá-la um compromisso inescapável com a gestão pública responsável. As demandas da maior e mais rica cidade do País jamais seriam atendidas por improvisos ou “experimentos” aventureiros.