A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve sabatinar amanhã o desembargador Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Depois da análise pela CCJ, cabe ao plenário do Senado decidir sobre o nome indicado. A aprovação requer maioria absoluta dos senadores.
Em respeito à Constituição, todo o procedimento no Senado relativo à escolha de um novo ministro do STF deve ser cumprido de forma absolutamente rigorosa. Os acertos políticos devem dar espaço a uma análise serena e conscienciosa pelos membros da CCJ e, depois, pelo plenário do Senado. Em vez de conveniências político-partidárias, o que deve orientar a sabatina é a responsabilidade de atestar o cumprimento dos requisitos constitucionais para o Supremo.
As condições são claras: notável saber jurídico e reputação ilibada. Não são requisitos abstratos ou de difícil aferição. Por exemplo, o texto constitucional exige que o saber jurídico do indicado seja facilmente percebido por todos. Se há alguma dúvida a respeito do grau de conhecimento jurídico do indicado, o requisito constitucional não está preenchido.
O mesmo ocorre com a reputação ilibada. A Constituição exige que os cidadãos escolhidos para compor a mais alta Corte do País tenham reputação “límpida, intacta, sem mancha, sem sombra, sem nenhuma suspeita”, como se escreveu neste espaço. Vale lembrar que a sabatina no Senado não é o julgamento de uma ação penal, como se eventual dúvida relativa à sua reputação devesse favorecer a aprovação do nome indicado, numa espécie de in dubio pro reo.
A Constituição prevê uma lógica diferente. Havendo dúvida sobre o conhecimento jurídico ou a reputação da pessoa indicada, seu nome deve ser rejeitado – e isso não é nenhum demérito, pois a rigor não existe postulante à vaga. Como escreveu, em dezembro de 1992, o ministro do STF Paulo Brossard ao então presidente da República Itamar Franco, “é preciso não esquecer que ninguém, por mais eminente que seja, tem direito de postular o cargo (de ministro do Supremo), que não se pleiteia, e aquele que o fizer, a ele se descredencia”.
Se o Senado deve sempre realizar a sabatina dos indicados ao Supremo de modo criterioso, a análise do nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro requer especial cuidado. Em primeiro lugar, porque o próprio presidente da República tem dito que, na definição do nome a ser indicado ao Supremo, usou critérios muito diferentes dos previstos na Constituição. “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo. (...) A questão de amizade é importante, né? O convívio da gente”, disse Jair Bolsonaro numa live.
Sem maiores pudores, o presidente Bolsonaro admite que deseja se valer do poder de indicar novos ministros do Supremo para colocar amigos na Corte – e que, uma vez lá dentro, eles continuem atuando como amigos e defensores de seus interesses. Mais do que magistrados, Jair Bolsonaro almeja aliados – se possível, vassalos – do governo dentro do STF. Logicamente, o Senado não pode ser conivente com essa declarada tentativa de subjugar o Supremo a interesses subalternos. Além disso, vieram a público inconsistências no currículo de Kassio Nunes Marques. A sabatina não é uma prova de títulos, mas é uma avaliação sobre a reputação da pessoa indicada. Como dispõe a Constituição, não cabem inconsistências na vida de um ministro do Supremo.
No relatório apresentado à CCJ, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) minimizou as questões curriculares. Teria sido tão somente “uma confusão semântica”, bem como “uma suposta sobreposição cronológica nos cursos que frequentou”. Que o Senado não minimize sua responsabilidade constitucional na sabatina. Poucos atos da vida pública têm tantos e tão duradouros efeitos sobre a vida dos brasileiros e o funcionamento do Estado como a nomeação de um novo ministro do STF. Não cabe aprovação automática. Séria, a sabatina deve ser capaz de confirmar, longe das margens da dúvida, que o interessado preenche os requisitos constitucionais.