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Sem atenuante para o racismo

Cassação de vereador em São Paulo por ter desrespeitado os negros é um avanço civilizatório

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Por Notas & Informações
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Numa sessão remota da Câmara Municipal de São Paulo, em maio do ano passado, o vereador Camilo Cristófaro (então do PSB, hoje no Avante) foi flagrado dizendo “é coisa de preto, né?”, ao se referir a um serviço mal feito. Anteontem, em razão dessa evidente quebra de decoro, o vereador foi cassado, tornando-se o primeiro parlamentar paulistano a perder o mandato por racismo, o que é evidentemente um avanço civilizatório. O placar de 47 votos a zero mostra que ninguém na Câmara teve coragem de defender o indigitado, prova inconteste de que o racismo se tornou intolerável para os eleitores.

Nada disso significa, é claro, que os vereadores paulistanos tenham se tornado subitamente cidadãos conscientes dos limites morais e éticos a que todos devemos nos submeter para suportar a vida em sociedade. O mais comum, infelizmente, é que o espírito de corpo prevaleça entre os parlamentares, que se defendem uns aos outros movidos por interesses paroquiais, frequentemente em detrimento do decoro e da decência. Diante do histórico de impunidade na Câmara, é lícito supor que, de alguma forma, o vereador ora cassado tenha em algum momento perdido apoio dos colegas, não exatamente por ter se comportado de maneira vil, mas apenas porque deixou de ter amigos na Casa. Talvez por essa razão seu caso tenha afinal ultrapassado todas as barreiras que usualmente servem para retardar ou inviabilizar processos de cassação e, assim, alcançado o plenário. Uma vez lá, a cassação era tida como líquida e certa, porque obviamente ninguém teria coragem de votar a favor de um político acusado de racismo.

E esse é o ponto a celebrar nesse caso. A sociedade brasileira deixa cada vez mais claro que atitudes como a desse vereador cassado não são aceitáveis nem como brincadeira ou ato falho. Ainda estamos longe do ideal, é claro. Recorde-se que o caso do sr. Cristófaro foi arquivado no Tribunal de Justiça de São Paulo porque o juiz Fábio Aguiar Munhoz Soares, malgrado tenha reconhecido o caráter discriminatório da declaração do político, considerou que ele não teve “a vontade de discriminar”. Uma decisão, sem dúvida, subjetiva.

Ainda assim, o desfecho do caso em seu aspecto político foi extremamente didático. Se todos os cidadãos têm a obrigação de evitar situações que possam configurar racismo, mais ainda a têm aqueles que ocupam funções públicas de grande visibilidade e que detêm mandato eletivo. Isso ganha especial importância no momento em que muitos políticos, pretendendo escorar-se na imunidade parlamentar, parecem entender que ser infame e atacar minorias de maneira desavergonhada dá votos.

Como já dissemos neste espaço, a medida extrema de cassação de mandato parlamentar serve em primeiro lugar para resguardar a integridade institucional do Legislativo. Punir a perniciosidade não significa apenas respeitar o eleitorado, mas também estimular o esforço coletivo para a construção de uma sociedade mais justa, empreendimento que só é possível quando fundado firmemente na dignidade humana.