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Sem limites para benesses

Advogados da União e procuradores federais já embolsaram mais de R$ 1 bilhão extra

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Por Notas & Informações
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Advogados da União e procuradores federais da Fazenda e do Banco Central (BC) já embolsaram neste ano mais de R$ 1 bilhão em honorários de sucumbência. Trata-se de uma recompensa devida a profissionais bem-sucedidos na defesa dos interesses de seus clientes, e à parte derrotada cabe esse pagamento. No caso dessa cifra vultosa, estão em jogo causas em que o poder público sai vencedor, o que implica aos advogados públicos uma bolada que, não raro, faz com que alcancem o teto do funcionalismo brasileiro.

Não é uma trivialidade. Reportagem do Estadão revelou que, além de ganhar R$ 44 mil – o equivalente aos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) –, há advogado público que levou R$ 492 mil num único mês. E até quem não trabalha recebe, em uma lógica distorcida do conceito de trabalho, que consiste em remunerar alguém por um serviço. Um aposentado recebeu R$ 305 mil.

Uma lei prevê o pagamento desses honorários a esses advogados, que, vale lembrar, são concursados, estáveis e muito bem remunerados, com salário inicial acima de R$ 20 mil. Foram contratados pelo Estado para cumprir a obrigação de defendê-lo nos tribunais. Ocorre que para isso levam também um extra.

Esse dinheiro, que cresce ano a ano, fica sob a responsabilidade do Conselho Curador de Honorários Advocatícios (CCHA), uma entidade privada. A cifra é dividida entre profissionais da ativa e inativos. E aposentados inconformados com os valores de uma benesse pela qual não fizeram nenhum esforço para receber chegam a acionar a Justiça.

Como se vê, nem tudo o que é legal é justo ou moral. Mas, para justificar o injustificável, todo malabarismo parece possível. Só muita confusão entre os conceitos de obrigação e mérito explica a manifestação da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe) ao Estadão na defesa desse privilégio. De acordo com a entidade, “essa remuneração (honorários em geral) corresponde a um pagamento por performance, um modelo de eficiência e mérito consagrado”. E, segundo a Anafe, desde que os pagamentos começaram a ser feitos, “a arrecadação da União aumenta a cada ano, e os resultados de sucesso judicial têm sido potencializados de forma ascendente”.

É de questionar se os salários eram ou são insuficientes e por que só depois desse “bônus” a produtividade parece ter aumentado. A alta remuneração já deveria bastar como justo pagamento pelo serviço. A título de comparação, um advogado na iniciativa privada no Estado de São Paulo ganha, em média, R$ 8,5 mil por mês – quantia bem inferior à paga aos afortunados colegas da União.

Não faz muito tempo, o CCHA criou para essa turma um penduricalho, fora do teto, no valor de R$ 3,5 mil, a título de “auxílio-saúde complementar”. Para conter tamanha gula, faz-se necessária uma ação contundente do Congresso. Na Câmara, avança um projeto para pôr fim ao pagamento dos honorários. Se a iniciativa prosperar, a lei poderá, enfim, promover moralidade e justiça no caso dos advogados públicos.