Se há uma quase unanimidade no Brasil, é de que o País precisa de mais educação, e isso tem justificado um investimento cada vez maior no setor. Entre 2012 e 2023, a proporção de pessoas entre 18 e 40 anos com ensino médio completo ou mais passou de 53% para 71%, e com educação superior, de 11% para 19%. A estimativa é de que, em 2018 – o dado mais recente que consegui –, o País tenha gastado 6,6% do Produto Interno Bruto (PIB) com os alunos da rede pública, dos quais 1,4% no ensino superior. E isso sem contar os gastos com aposentadorias e pensões de professores, bolsas de estudo, além do crédito educativo e do Prouni, que beneficiam o ensino privado. É muito ou pouco? Afinal, ainda temos muita gente que não completou o ensino médio, e a educação superior deveria ser para todos. Vamos investir mais? Que tal gastar 10% do PIB, como aprovado, mas nunca cumprido, pelo Plano Nacional de Educação de 2014? Em troca de quê?
Antes de fazer isso, seria interessante refletir sobre um trabalho recente de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre a relação entre a educação e o mercado de trabalho no Brasil (Carvalho, Sandro Sacchet, e Maurício Cortez Reis. Evolução da sobre-educação no mercado de trabalho no Brasil entre 2012 e 2022: primeiros resultados. Boletim Mercado de Trabalho: Conjuntura e Análise. Ipea, 2023). O que eles fizeram foi, com base na Classificação Brasileira de Ocupações, verificar qual o nível educacional requerido para cada uma delas (fundamental, médio, superior) e, depois, com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, verificar a proporção de pessoas que estão trabalhando em atividades abaixo, equivalentes ou superiores à sua formação, entre 2012 e 2022.
Os resultados são impressionantes. Nestes dez anos, a proporção de pessoas sobre-educadas, ou seja, com mais educação do que o requerido pelas ocupações que desempenham, passou de 26% para 37% do total, enquanto a de subeducados, ou seja, pessoas trabalhando em atividades que requerem mais educação do que a que têm, caiu de 32% para 20%. É um caso claro de inflação educacional, em que se emitem cada vez mais títulos que um mercado de trabalho não tem como absorver. A maior parte dos sobre-educados são os de nível médio, cerca de 50%, mas a proporção entre os de nível superior também é alta, pouco mais de 30%.
Os dados mostram, ainda, que a grande maioria das ocupações existentes não requer muita educação. Este quadro praticamente não se alterou nos últimos dez anos, exceto na indústria de transformação de alta tecnologia, em que há uma polarização, com mais trabalhadores de formação superior e de educação fundamental, e menos de educação média. Mas é um setor pequeno, com menos de 5% dos empregos.
Os autores não especulam muito sobre as razões deste quadro, exceto para dizer que ele deve ter sido afetado pelas crises no mercado de trabalho que vêm ocorrendo no Brasil desde 2015. Mas uma lição que podemos tirar é de que não basta dar mais educação para que as pessoas se tornem mais produtivas. Outra possível conclusão seria de que se trata de um problema dos conteúdos da educação. Para obter um emprego compatível, não basta ter um diploma de nível médio ou superior, é necessário que esse diploma esteja associado às competências que o mercado de trabalho requer. Mas, mesmo que essa associação exista, o mercado de trabalho tem uma lógica que depende de muitos fatores, entre os quais a disponibilidade de recursos humanos qualificados é somente um – uma condição necessária, mas não suficiente.
A conclusão mais geral é de que não faz sentido continuar aumentando os investimentos em educação de forma indiscriminada, isso só produz inflação de diplomas. Além da grande frustração dos que não conseguem trabalhos condizentes com sua formação, existem os milhões que gastam tempo e dinheiro aprendendo coisas que nunca usam e de que logo se esquecem, os que abandonam seus cursos antes de terminá-los e os que saem cedo do mercado de trabalho, sobretudo mulheres.
Claro que a educação tem outros objetivos além de preparar as pessoas para o trabalho – formar pessoas mais cultas, mais solidárias, melhores cidadãos, com capacidade de aprender e lidar com uma sociedade em constante transformação. Mas, se as pessoas que se formam, sobretudo em nível superior, não conseguem trabalho compatível com seu nível de formação, e isso vem aumentando, algo está errado.
Existe uma prioridade clara, que requer investimentos, que é a educação fundamental de qualidade, até os 15 anos de idade. É neste nível também que a questão das desigualdades deve ser enfrentada – não há política de ação afirmativa que consiga compensar as desigualdades de formação inicial. A partir daí, é necessário abrir espaço para caminhos alternativos, inovações e flexibilidade. A reforma do ensino médio, felizmente salva pelo Congresso em suas ideias centrais, pode contribuir para isso, se bem conduzida. E, no ensino superior e na pós-graduação, é importante ser seletivo no uso de recursos públicos, deixando de subsidiar as ilusões do diploma salvador, como se ele pudesse compensar as disfunções econômicas e institucionais que mantêm o País no atraso e os jovens sem poder fazer uso de seu potencial.
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SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS
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