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Sinal amarelo nos emergentes

A desaceleração econômica na Índia é um alerta para os Brics. Os principais países do bloco enfrentam desafios autoimpostos nada triviais e que tendem a se agravar com retorno de Trump

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Por Notas & Informações
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Economia que mais cresce no mundo, a Índia desacelerou no terceiro trimestre, quando o PIB registrou alta de 5,4% – muito abaixo dos 7% previstos para o período. O desempenho aquém do esperado fez o Banco de Desenvolvimento da Ásia (ADB, na sigla em inglês) reduzir a estimativa de crescimento indiano de 7% para 6,5% no ano fiscal de 2025.

Embora as perspectivas de PIB da Índia ainda superem expressivamente às de outros países do G-20 e do Brics, o bloco no qual também estão Brasil, Rússia e China, o recuo no PIB do país cuja economia é a que mais cresce na atualidade coloca sob suspeição uma história de sucesso até pouco tempo não contestada.

Não é sem razão, porém, que as dúvidas sobre o futuro da economia indiana começam a aflorar. O país enfrenta desafios em diversas frentes: inflação persistentemente alta, enfraquecimento do consumo e baixo investimento estatal e privado estão entre eles.

Para lidar com o cenário de desaceleração econômica e inflação, o governo surpreendeu ao indicar um novo comando para o Banco Central do país, medida que por ora só conseguiu aumentar o grau de incerteza sobre para onde irá a Índia, que, apesar da bonança econômica dos últimos anos, segue sendo um país extremamente desigual, com renda per capita de menos de US$ 3 mil.

O único consolo para a Índia é o de não estar só. Outros motores do crescimento global também enfrentam desafios econômicos significativos. A outrora exuberante economia chinesa, a segunda maior do mundo, tenta agora desesperadamente salvar a meta de crescimento de 5% neste e no próximo ano.

Ao longo de 2024, o governo chinês lançou mão de um número de medidas de estímulo, numa tentativa de, ao mesmo tempo, apoiar o nebuloso setor imobiliário do país e incentivar o consumo, conceito historicamente estranho aos chineses, que ficaram ainda menos propensos a gastar após a crise provocada pela covid-19 e o aumento do desemprego, sobretudo entre os mais jovens.

O líder supremo da China, Xi Jinping, tem emitido sinais de que novas e robustas medidas de estímulo serão adotadas para garantir que a China siga crescendo ao ritmo de 5% ao ano. Aguarda-se mais contundência e foco das autoridades chinesas, já que as medidas anunciadas até aqui são, segundo especialistas, de pouco calibre.

Na Rússia, que mostrou resiliência inesperada às sanções impostas pelo Ocidente em resposta à campanha imperialista de Vladimir Putin na Ucrânia, as fissuras econômicas do inchado orçamento de guerra começam a aparecer. O Banco Central russo recentemente elevou os juros para 21%, o maior patamar em duas décadas, numa tentativa de debelar a inflação que, segundo os pouco confiáveis dados oficiais, ronda os 9%. O país enfrenta falta de mão de obra, já que com a guerra muitos estão lutando ou fugiram do país justamente para não lutar, razão pela qual a atração de trabalhadores depende de salários atraentes.

Entre os Brics de alta patente há ainda o Brasil, cuja economia tem crescido na base do estímulo fiscal. Enquanto isso, a dívida pública e os juros não apenas sobem expressivamente, como não se vislumbra com clareza quando se estabilizarão ou virão a cair.

Cada qual por demérito próprio, os principais países do Brics chegam ao fim de 2024 com desafios econômicos nada desprezíveis, desafios criados pelas lideranças de cada um desses países e que já existiam mesmo antes de Donald Trump ter vencido de forma retumbante as eleições norte-americanas.

Como promete mergulhar o mundo em uma guerra tarifária e ser implacável contra os imigrantes ilegais, Trump causa preocupação adicional tantos aos inimigos declarados, Rússia e China, como à aliada Índia.

Fato é que a desaceleração econômica de China e Índia, combinada com a expansão insustentável de Brasil e Rússia, já é dor de cabeça suficiente para a economia mundial, que tende a perder força, independentemente de Trump.

Aos Brics resta, então, adotar os remédios, amargos que sejam, para correção de seus problemas estruturais, causados em grande medida por eles mesmos. E que, pelo menos no caso brasileiro, seja rápido, antes que os efeitos da presidência de Trump agravem o quadro.