Entre as muitas lições deixadas pela tragédia sem precedentes que abate o Rio Grande do Sul, uma tem tudo a ver com a natureza da gestão pública, em qualquer área: não basta mais dinheiro para reagir a um desastre, é preciso que gestores públicos tenham capacidade de estruturar e apresentar projetos aptos a receberem os recursos. Também não basta fazer planos, é preciso implementar as ações previstas nos planos e ter capacidade de atualizá-las em tempo hábil e com eficácia. Essa soma de premissas e consequências beira o tautológico, mas é o tipo da obviedade que precisa ser reafirmada no Brasil. Especialmente diante de um desafio de proporções gigantescas como é a adaptação das cidades brasileiras às mudanças climáticas – o novo clima que, segundo sugere boa parte dos cientistas, tornará desastres como o que atingiu o Rio Grande do Sul ainda mais intensos e frequentes no futuro previsível.
Eis por que os brasileiros precisam estar atentos ao predomínio de cifras e promessas de planos futuros nas respostas políticas à crise. De um lado, há a tentação habitual dos populistas: anunciar projetos mirabolantes, que rendem manchetes na imprensa, dão como certo um sucesso incerto, expiam a culpa de maus gestores e, no fim das contas, acabam restritos ao papel. De outro, o desperdício de recursos assegurados, que não são usados pela simples falta de projetos que tornem Estados e municípios aptos a recebê-los. Entre um e outro, há também a reconhecida dificuldade da administração pública de implementação, análise de resultados e correção de rumos.
Eis um problema que atinge universalmente municípios em situação orçamentária já frágil, modesta estrutura qualificada de profissional e poucos recursos para atingir o olimpo das finanças prometidas. Essa é a realidade da esmagadora maioria das cidades – para não mencionar a necessidade de mudança da própria cultura de concepção dos projetos, que invariavelmente precisam incluir a adaptação climática como parte de suas condicionalidades. Uma tarefa nada trivial.
Um desses pontos foi sublinhado recentemente pela secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Toni. Ela lembrou que falta ao País criar políticas que incentivem projetos de adaptação urbana antes dos desastres. E quem precisa apresentar esses projetos, disse a secretária, são as cidades. “Uma das áreas que temos de trabalhar é na estruturação de projetos junto com os prefeitos porque não adianta você ter o dinheiro se não tem os projetos chegando”, afirmou, durante participação num evento no Rio. A exigência se torna ainda mais complexa quando se sabe que é mais fácil reagir à crise do que preveni-la, problema que não se restringe ao Brasil, uma vez que a comunidade internacional ainda coloca menos ênfase na adaptação. Cerca de 90% do financiamento climático global, segundo estimativas do MMA, é para mitigação.
A boa notícia é que há tecnologia disponível na gestão pública brasileira para esses desafios. Se é verdade que ainda segue incipiente a consciência de que é preciso abraçar a adaptação climática, também é verdade que há experiências já desenvolvidas para a construção de projetos e uso de protocolos de adaptação a mudanças climáticas. Para citar um exemplo, em 2019, o Ministério da Infraestrutura, à época comandado pelo hoje governador Tarcísio de Freitas, trabalhou num acordo de cooperação com uma agência de fomento alemã para vincular obras a um protocolo de adaptação a mudanças climáticas. Há ainda experiências ligadas à capacitação de municípios para preparar seus planos, construindo cidades resilientes a potenciais consequências das mudanças climáticas – como o aumento do nível do mar e seus impactos em portos e rodovias litorâneas, ou ainda uma mudança no histórico de chuvas que torne uma região permanentemente mais seca ou mais úmida.
Tais experiências podem ajudar a enfrentar os gargalos de projetos, preparar a infraestrutura urbana para o novo clima e – não menos importante – construir diques de contenção dos populismos.