Às vésperas da Olimpíada, a prefeita de Paris cumpriu a promessa de nadar no Sena para provar que o rio é limpo e seguro para provas como as de triatlo, que devem ocorrer em um dos principais símbolos da capital francesa. O mergulho de Anne Hidalgo soma-se aos de outras autoridades francesas e olímpicas e ocorre após processo longo de despoluição, com custo de quase R$ 10 bilhões. O banho no Sena está proibido desde 1923, em razão da poluição do rio, que, como tantos outros mundo afora, foi vítima do processo de urbanização desorganizada das cidades.
Agora, após a prefeita experimentar as águas, Paris pretende que, além de receber provas olímpicas, o Sena seja liberado, a partir do verão de 2025, para o mergulho dos cidadãos parisienses, o que seria um legado gigantesco para a cidade. A organização dos Jogos e o patrimônio deixado aos cidadãos têm sido tema de escrutínio global cada vez maior, uma vez que arcar com a estrutura complexa para a prática de diversos esportes, sem contar a segurança de atletas, exige investimentos vultosos e benefícios não garantidos à população. Sede dos Jogos de 92, Barcelona é comumente citada como exemplo de legado, enquanto Atenas (2004) teria ajudado a empurrar a Grécia para uma gigantesca crise financeira.
É impossível falar de legado olímpico e águas poluídas sem pensar no Rio de Janeiro. Apesar do ouro emocionante conquistado pelas atletas Martine Grael e Kahena Kunze na vela aquática, durante a realização da única edição de uma Olimpíada na América do Sul, a prometida despoluição da Baía de Guanabara entrou na lista de oportunidades perdidas.
É verdade que a morte lenta e gradual de rios, baías e canais, como a do próprio Sena, é um fenômeno generalizado, mas o caso da Baía da Guanabara mostra que o Brasil quase sempre deixa de aproveitar oportunidades, algumas de ouro, para recuperar recursos naturais.
Há décadas os dois principais rios que cortam São Paulo são um cartão-postal indesejado e impossível de esconder, veias expostas de descaso com o meio ambiente.
A despoluição do Tietê e do Pinheiros atravessa governos, consome recursos e ainda não alcançou os resultados desejados. É preciso reconhecer que houve avanço considerável no tratamento de esgoto, que o odor nauseabundo do Tietê e do Pinheiros já foi exponencialmente pior e que a ocorrência de enchentes por conta do grau de assoreamento dos dois rios parece coisa do passado. Ainda assim, o estado geral de ambos, sobretudo do Tietê, exclama que a cidade mais rica da América do Sul tem lacunas gritantes em desenvolvimento e qualidade de vida. Convém lembrar que, até os anos 30 do século passado, o Tietê recebia regularmente provas de remo e natação.
Promessas e reptos não faltam. Em 1992, o então governador paulista, Luiz Antonio Fleury Filho, lançou um programa de despoluição do Tietê garantindo que, até o final de seu mandato, beberia a água do rio. Nem todos os sucessores de Fleury foram atrevidos a esse ponto, mas todos prometeram limpar o Tietê – o atual governador, Tarcísio de Freitas, diz que o rio estará despoluído até 2026 graças a um programa de R$ 5,6 bilhões.
O caso do Tietê é um exemplo da necessidade urgente de maior coordenação entre municípios espalhados por grandes regiões metropolitanas para enfrentar questões ambientais. Sem que todos participem de um esforço concentrado de despoluição, quem estiver fazendo a lição de casa continuará sendo reprovado pelo fato de que o vizinho segue poluindo. Cada cidade polui o rio de maneira diferente, o que demanda soluções específicas. É como se, em uma prova de revezamento, enquanto um corredor dá tudo o que tem, os demais ficam parados ou correm em direções diferentes.
É realmente um feito histórico que o Sena aparentemente tenha se tornado afinal um rio balneável, no qual se pode entrar após quase um século. O prefeito de São Paulo ousaria mergulhar no Pinheiros ou no Tietê? Pelo andar dos projetos de despoluição, talvez, como os parisienses, seja preciso esperar um século. No nosso caso, mais um.