O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, confirmou o que já se suspeitava: seu apreço pela política da truculência tem no regime de exceção instaurado por Nayib Bukele, em El Salvador, um modelo a ser seguido. Durante recente evento em Brasília, com a presença de autoridades e especialistas na área, Derrite afirmou que o Brasil deveria aprender com o pequeno país da América Central para reduzir os índices de homicídios – e aproveitou para criticar um programa federal destinado a combater violações de direitos humanos no sistema prisional brasileiro.
O exemplo salvadorenho é exatamente isto: a combinação entre redução drástica de homicídios com perturbadoras evidências de violações de direitos humanos. É uma estratégia sedutora para políticos que apostam na aniquilação de criminosos para superar a sensação de medo na população e transformar cadáveres em votos. A estratégia mais eficiente, que poupa vidas e respeita o Estado Democrático de Direito, não gera tanta visibilidade e muitas vezes é confundida com leniência com os criminosos. Assim pensa Derrite, que foi afastado da Rota, a elite da Polícia Militar de São Paulo, por desvio de conduta (“porque matei muito ladrão”, segundo suas próprias palavras).
A inspiração salvadorenha do secretário paulista tornou-se conhecida tanto pela eficácia na repressão quanto por ser uma política que despreza direitos fundamentais. Quando Bukele chegou ao poder, em 2019, El Salvador era conhecido como um dos países mais violentos do mundo. A população agonizava com o medo, a violência e as mortes decorrentes das disputas entre as “maras”, como são chamadas as gangues formadas por filhos de imigrantes que regressaram ao país após a guerra civil, que durou entre 1979 e 1990 e matou, segundo dados oficiais, mais de 100 mil pessoas.
Em 2022, o presidente salvadorenho impôs um estado de emergência que lhe deu plenos poderes para mandar prender e matar criminosos. Com passe livre para reagir com violência e efetuar prisões sem mandados, o governo criou megaprisões e lotou as existentes – a mais conhecida, o Centro de Confinamento do Terrorismo, tem capacidade para até 40 mil presos e não permite acesso nem de jornalistas nem, pasmem, de advogados. Hoje El Salvador tem mais de 100 mil presos, ou 1,7% da população, marca capaz de assustar até mesmo quem acha que no Brasil há encarceramento em massa (por aqui, a proporção de presos é de 0,3% da população).
Com criminosos varridos do mapa, os homicídios desabaram, a ponto de, em 2023, El Salvador ter sido listado entre os países mais seguros da América Latina. Mas missões internacionais e organizações de direitos humanos têm repetidamente denunciado os efeitos do modelo de Bukele. Reconhecem que seu governo conseguiu controlar as gangues de forma impressionante, mas a um alto custo para a sociedade: com deterioração de direitos, prisões de inocentes, detenções arbitrárias sem ordem judicial, ameaças à democracia e mortes sob a custódia do Estado.
Trata-se de um modelo de perigosa eficácia, que usa a brutalidade e o medo como armas poderosas para render votos e fama. Bukele se reelegeu em 2024, mesmo com a Constituição de seu país proibindo a reeleição; Derrite passeia por eventos como pré-candidato, exibindo-se como secretário linha-dura, mantido no cargo pela inexplicável condescendência do governador Tarcísio de Freitas. O presidente salvadorenho e o secretário paulista são produto da crise da segurança pública, desafiada pelo crime organizado. A alternativa à truculência é custosa e demorada. Já o modelo Bukele é barato e ainda dá votos. É de olho nisso que até prefeitos, que não têm entre suas atribuições cuidar de policiamento, estão investindo na imagem de paladinos da segurança.
Como lembrou a organização Human Rights Watch, os salvadorenhos não deveriam se ver forçados a escolher entre segurança e outros direitos fundamentais. Nem salvadorenhos, nem brasileiros, nem quaisquer cidadãos do mundo, convém acrescentar. Só quem tenta difundir a inevitabilidade de tal escolha são cabeças como Bukele e Derrite, que confundem endurecimento contra o crime com truculência, transformam agentes do Estado em vingadores, combatem barbárie com mais barbárie e ignoram que democracia não combina com a lei da selva.