Em plena tarde da última sexta-feira, dois homens suspeitos de ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) saltaram de um carro no desembarque do Terminal 2 do Aeroporto de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, e abriram fogo contra o empresário Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, que morreu na hora. Ao menos 27 tiros de fuzil foram disparados pelos criminosos contra a vítima, sinal mais que evidente de execução. Outras três pessoas ficaram feridas. Por milagre, sorte ou seja lá o nome que se queira dar, não houve mais mortes sob essa saraivada de balas em um horário de grande movimento no aeroporto.
Quem põe em marcha uma operação tão afrontosa ao Estado como essa demonstra, no mínimo, boa segurança na impunidade. Gritzbach havia firmado acordo de colaboração premiada com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), homologado pela Justiça, pelo qual revelou minúcias de um milionário esquema de lavagem de dinheiro do PCC, do qual participou, além do suposto envolvimento de policiais civis e militares com as ações do bando. Tratava-se, portanto, de um homem marcado para morrer. Consta que o PCC havia estipulado uma recompensa de R$ 3 milhões para quem matasse o “dedo-duro”.
Gravíssimo por si só, esse audacioso crime praticado à luz do dia no maior aeroporto do País, e às vésperas da cúpula do G-20, deixa em aberto uma série de questões capazes de sobressaltar até o mais sossegado dos cidadãos. A primeira delas é elementar: como um colaborador da Justiça desse nível, tendo delatado o que e quem delatou, circulava sem a proteção do Estado? Há notícia de que ao menos quatro policiais militares foram contratados por Gritzbach para servirem como seus seguranças “particulares”. O Estadão apurou que três deles não estavam no aeroporto no momento do crime. A Polícia Civil apreendeu os celulares dos quatro agentes para investigação.
Também há que esclarecer como a informação de que Gritzbach desembarcaria naquele dia e horário em Guarulhos chegou aos seus assassinos. A vítima já havia sofrido tentativas de homicídio antes em razão da colaboração premiada e pela suspeita de ter sido o mandante da execução de Anselmo Bechelli Santa Fausta, vulgo “Cara Preta”, um dos líderes do PCC, e do segurança deste, Antônio Corona Neto, o “Sem Sangue”. Que o PCC dispõe de meios para monitorar os passos daqueles contra os quais deseja se vingar, não há a menor dúvida. Mas não se pode descartar que a informação sobre o paradeiro de Gritzbach, sobretudo tendo em vista a vultosa recompensa oferecida por sua morte, tenha partido de agentes públicos que tinham ciência dos termos do acordo de colaboração e/ou detalhes da rotina do empresário.
Espera-se que essas, entre outras questões, sejam esclarecidas após uma minuciosa e diligente investigação. Mas é perfeitamente possível dizer que o Estado já falhou ao não evitar que um crime como esse tenha acontecido onde e como aconteceu. Surgido como um bando miúdo no interior de um presídio em Taubaté (SP), no Vale do Paraíba, o PCC só adquiriu tanto poder bélico e financeiro ao longo dos últimos 30 anos porque pôde contar com a leniência das autoridades policiais e judiciárias, no cenário mais benevolente, ou com seu compadrio remunerado, no pior.
Esse terrível crime praticado à luz do dia não foi “apenas”, por assim dizer, um crime contra um colaborador da Justiça. Foi um recado a todos os que ousarem desafiar o poder do PCC em futuros acordos de colaboração e, principalmente, um insolente desafio ao Estado. A um só tempo, a ação, tão audaciosa quanto cinematográfica, desmoralizou a ordem pública e as forças de segurança. O governo de São Paulo tem o dever de combater essa banalização da violência e da vingança pelas próprias mãos de criminosos do PCC, cada vez mais seguros de si. O descaso diante desse crime não só ameaça a segurança da população, de outras testemunhas e colaboradores, como fragiliza o tecido social, minando a confiança dos cidadãos na capacidade do Estado, como detentor do monopólio da violência, de garantir sua proteção.