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Sofrimento sem água e esgoto

Relatório da ONU alerta para a gravidade de um problema que o Brasil tem como resolver

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Por Notas & Informações
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A ONU lançou há alguns dias um relatório que estima que 26% da população mundial sofre com a falta de acesso à água potável − o impressionante número de 2 bilhões de pessoas. A situação é ainda pior no que diz respeito a saneamento básico, com 46% dos habitantes, ou 3,6 bilhões de pessoas, sem dispor desse tipo de serviço em condições adequadas. Os dados são referentes a 2020 e dão a exata dimensão do tipo de desafio que a humanidade precisa superar para garantir direitos básicos em escala global.

A escassez de água potável é ameaça direta à sobrevivência. Somada à falta de esgoto, gera efeitos perversos sobre o desenvolvimento econômico e social, com graves reflexos na saúde da população, notadamente na das crianças. A propósito, estima-se que a falta de higiene provoque 1,4 milhão de mortes por ano. Não à toa, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 6 da ONU estipulou a meta de garantir água potável e saneamento para todos os habitantes do planeta até 2030. Algo que, no atual ritmo, não será atingido.

Ciente do atraso, a ONU promoveu recentemente, em Nova York, a maior conferência internacional sobre o tema desde 1977. O encontro serviu de palco para o lançamento do Relatório de Desenvolvimento Mundial da Água 2023, que mostra que o consumo global vem crescendo no ritmo de 1% ao ano há quatro décadas. A previsão é que a tendência se mantenha até 2050, puxada pelos países em desenvolvimento, que são os que mais sofrem com a falta de tecnologia e de capacidade de investimento.

O documento chama a atenção também para a poluição dos rios e para as mudanças climáticas, fatores que deverão acentuar o problema. O aquecimento global, segundo o relatório, levará partes da América do Sul, do Leste Asiático e da África Central a enfrentar escassez sazonal de água. Vale notar que a América Latina e o Caribe são citados como a região onde mais se agravou o estresse hídrico no período 2008-2018.

De fato, o Brasil tem motivos para se preocupar. Na mesma semana da reunião da ONU em Nova York, o Instituto Trata Brasil divulgou a 15.ª edição do Ranking do Saneamento, que mostrou que quase 35 milhões de pessoas sofrem com a falta de acesso à água potável no País, enquanto cerca de 100 milhões vivem em áreas sem rede de esgoto. Um desastre. Como se não bastasse, a perda média de água tratada nas cem cidades mais populosas chega a 36%, um desperdício inaceitável.

O histórico déficit de serviços de água e esgoto já penalizou demais a população brasileira. Foi o que levou o Congresso a aprovar, em 2020, o marco legal do saneamento − iniciativa alinhada às melhores práticas internacionais, capaz de atrair investimentos privados e de livrar o Brasil de um atraso inaceitável. Já passou da hora de o País fazer o dever de casa e contribuir decisivamente para reduzir as estatísticas de desabastecimento e falta de saneamento básico. O governo federal ajudará muito se não mexer no marco. Não é com retrocessos que se vai garantir água encanada e rede de esgoto.